TOMÁS DE AQUINO Filósofo inverteu no pensamento
medieval, dando ênfase ao mundo real e ao aprendizado pelo raciocínio Depois de oito séculos
marcados por uma filosofia voltada para a resignação, a intuição e a
revelação divina, a Idade Média cristã chegou a um ponto de tensão ideológica
que levou à inversão quase total desses princípios. O personagem-chave da
reviravolta foi São Tomás de Aquino (1224/5-1274), o grande nome da filosofia
escolástica (leia quadro na pág. 32), cujo pensamento privilegiou a
atividade, a razão e a vontade humana. Numa época em que a Igreja
ainda buscava em Santo Agostinho (354-430) e seus seguidores grande parte da
sustentação doutrinária, Tomás de Aquino formulou um amplo sistema filosófico
que conciliava a fé cristã com o pensamento do grego Aristóteles (384-332 a.
C.) — algo que parecia impossível, até herético, para boa parte dos teólogos da
época. Não se tratava apenas de adotar princípios opostos aos dos
agostinianos — que se inspiravam no idealismo de Platão (427-347 a. C.) e não
no realismo aristotélico — mas de trazer para dentro da Igreja um pensador
que não concebia um Deus criador nem a vida após a morte. A porção mais influente da
obra de Aristóteles havia desaparecido das bibliotecas da Europa, embora
tivesse sido preservada no Oriente Médio. Ela só começou a reparecer no século 12, principalmente por meio de
comentadores árabes, conquistando grande repercussão nos círculos
intelectuais. As idéias de Aristóteles respondiam melhor aos novos tempos do
que o neoplatonismo. Vivia-se o período final da
Idade Média e a transição de uma sociedade agrária para um modo de produção
mais orientado para as cidades e a atividade comercial. Avanços tecnológicos
começavam a influir na vida das pessoas comuns e os trabalhadores urbanos se
organizavam em corporações (guildas). Tomás de Aquino
valorizou a matéria Aristóteles, em sua obra,
punha a razão e a investigação intelectual em primeiro plano. A realidade
material era considerada a fonte primordial de conhecimento científico e
mesmo de satisfação pessoal. "Tomás afirma que há no ser humano uma alma
única, intrinsecamente unida ao corpo", diz Luiz Jean Lauand, professor da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo. "Era uma idéia revolucionária para uma época
marcada pelo espiritualismo de Santo Agostinho, que trazia consigo certo
desprezo pela matéria." Tomás de Aquino realizou um
trabalho monumental numa vida relativamente curta. Sua obra mais importante,
apesar de não concluída, é a Suma Teológica, na qual revê a teologia cristã
sob a nova ótica, seguindo o princípio aristotélico de que cabe à razão
ordenar e classificar o mundo para entendê-lo. Está aí o princípio
operacional do pensamento tomista, adjetivo pelo
qual passou para a história a filosofia inaugurada por Tomás de Aquino. A relação entre razão e fé
está no centro dos interesses do filósofo. Para ele, embora esteja
subordinada à fé, a razão funciona por si mesma, segundo as próprias leis. Ou
seja, o conhecimento não depende da fé nem da presença de uma verdade divina
no interior do indivíduo, mas é um instrumento para se aproximar de Deus.
"Segundo Tomás, a inteligência é uma potência espiritual", afirma Lauand. Período exige abertura da Igreja para o mundo
Tomás de Aquino é uma figura simbólica de seu tempo na medida em
que representou como ninguém a tensão entre a tradição cristã medieval e a
cultura que se formava no interior de uma nova sociedade. Uma das respostas
da Igreja a uma necessidade crescente de abertura para o mundo real foi a
criação das ordens mendicantes, que, sem bens, vivem da caridade, ao mesmo tempo que se voltam para o socorro dos doentes e
miseráveis. As duas ordens mendicantes surgidas na época foram a dos
franciscanos, fundada por São Francisco de Assis (1181/2-1226), e a dos
dominicanos, por São Domingos de Gusmão (1170-1221). Tomás de Aquino se
filiou aos dominicanos. Outra característica dessa fase histórica foi o nascimento das
universidades, que se tornaram o centro das discussões teológico-filosóficas,
em particular na Universidade de Paris, onde o pensador estudou e lecionou. O ensino nessas instituições se assentava na divisão de
disciplinas entre trívio e quadrívio,
sistema que remonta à Antigüidade clássica. O quadrívio, que corresponderia às
atuais ciências exatas, agrupava aritmética, geometria, astronomia e música,
e o trívio, aparentado à idéia de ciências humanas,
reunia a gramática, a retórica e a dialética. As discussões do período, no entanto, em breve levariam a um
questionamento dos conceitos científicos vigentes. Todos têm uma
essência a desenvolver De acordo com o filósofo, há
dois tipos de conhecimento: o sensível, captado pelos sentidos, e o
intelectivo, que se alcança pela razão. Pelo primeiro tipo, só se pode
conhecer a realidade com a qual se tem contato direto. Pelo segundo, pode-se
abstrair, agrupar, fazer relações e, finalmente, alcançar a essência das
coisas, que é o objeto da ciência. O processo de abstração que vai da
realidade concreta até a essência universal das coisas é um exemplo da
dualidade entre ato e potência, princípio fundamental tanto para Aristóteles
quanto para a filosofia escolástica. Para extrair das coisas sua
essência, é necessário transformar em ato algo que
elas têm em potência. Disso se encarrega o que Tomás de Aquino chama de
inteligência ativa — em complementação a uma inteligência passiva, com a qual
cada um pode formar os próprios conceitos. A idéia, transportada para a
educação, introduz um princípio pedagógico moderno e revolucionário para seu
tempo: o de que o conhecimento é construído pelo estudante e não simplesmente
transmitido pelo professor. "Tomás nos lega uma filosofia cuja
característica principal é uma abertura para o conhecimento e para o
aluno", diz Lauand. Como o filósofo vê em todo
ser a potência e o ato (apenas Deus está acima da dicotomia, sendo "ato
puro"), a noção de transformação por meio do conhecimento é fundamental
em sua teoria. Cada ser humano, segundo ele, tem uma essência particular, à
espera de ser desenvolvida, e os instrumentos fundamentais para isso são a razão e a prudência — esse, para Tomás de Aquino,
era o caminho da felicidade e também da conduta eticamente correta. "A direção da vida é
competência da pessoa e Tomás mostra que não há receitas para agir bem,
porque a prudência versa sobre atos situados no aqui e agora", declara Lauand. Cidades ganham importância e novas escolas Com sua teoria do conhecimento, que "convoca" a vontade e a iniciativa de cada um na direção do
aperfeiçoamento, São Tomás de Aquino legou à educação sobretudo a idéia de
autodisciplina. Foi essa a marca do ensino cristão, que alcançaria sua máxima
eficiência, em termos de doutrinação, com os jesuítas, já no século 16.
Embora a obra de Tomás de Aquino apontasse para o auto-aprendizado, a idéia
não foi abraçada pelas rígidas hierarquias da Igreja Católica. No período em
que o filósofo viveu, a religião seguia sendo a principal fonte de instrução,
como em toda a Idade Média. Sobreviviam as escolas monásticas em mosteiros
afastados da cidade, que inicialmente visavam a
formação de monges, mas depois também de leigos das classes proprietárias.
Com o surgimento da economia mercantil nas cidades, aparecem também as
escolas episcopais, urbanas, destinadas a formar o clero
secular (aquele que participava da vida social) e leigos. A palavra latina schola ganhou, nessa
época, o significado de centro de encontro e de estudos. Vem daí o adjetivo
escolástico, relativo à filosofia da época.
Biografia Tomás
de Aquino nasceu em 1224 ou 1225 no castelo de Roccaseca,
perto da cidade de Aquino, no reino da Sicília (hoje parte da Itália). Sua
família era proprietária de um pequeno feudo e ligada politicamente ao
imperador Frederico 2o. Tomás foi encaminhado ainda criança para o monastério
de Monte Cassino, com o objetivo de seguir carreira religiosa. Depois
de nove anos, por causa de um conflito entre o imperador e o papa, ele foi
tirado do monastério e enviado para a Universidade de Nápoles, onde entrou em
contato com a obra de Aristóteles. Pouco depois, decidiu juntar-se à ordem
mendicante dos frades dominicanos. Quando seus superiores o enviaram para a
Universidade de Paris, os pais do noviço chegaram a seqüestrá-lo no caminho.
Apesar de ter ficado um ano proibido de sair da propriedade da família, a
vontade de Tomás prevaleceu e ele se mudou para Paris. O resto de sua vida
foi bastante simples, se resumindo à atividade acadêmica, com apenas uma
interrupção de alguns anos para trabalhar como conselheiro da Cúria Papal, em Roma. Já perto do fim da vida, Tomás voltou à
Universidade de Nápoles, para dar aula. Sua passagem pela Universidade de
Paris foi marcada por polêmicas com outros pensadores, quase sempre em torno
da obra de Aristóteles. Tomás
de Aquino morreu em 1274, na abadia de Fossanova
(hoje centro da Itália), onde havia se recolhido ao ficar doente durante nova
viagem a Roma. Foi canonizado em 1323 e nomeado "doutor da Igreja"
em 1567. "A sabedoria é a maior perfeição da razão e sua
principal função é perceber a ordem nas coisas" Para pensar Tomás
de Aquino ressaltou o valor da razão humana e de conhecer como ela funciona,
a começar pela importância de ordenar para entender. Já pensou nisso ao
planejar suas aulas? Tente avaliar o interesse de
ligar os conteúdos, mesmo aqueles mais abstratos (como os da Matemática), a
experiências concretas anteriores. Isso é sempre possível e recomendável ou
há exceções? "O mestre provoca conhecimento ao fazer operar a
razão natural do discípulo" Tomás de Aquino
A Vida e as Obras
Após uma longa preparação e um
desenvolvimento promissor, a escolástica chega ao seu ápice com Tomás de
Aquino. Adquire plena consciência dos poderes da razão, e proporciona
finalmente ao pensamento cristão uma filosofia. Assim, converge para Tomás de
Aquino não apenas o pensamento escolástico, mas também o pensamento
patrístico, que culminou com Agostinho, rico
de elementos helenistas e neoplatônicos, além do patrimônio de revelação
judaico-cristã, bem mais importante. Para Tomás de Aquino, porém,
converge diretamente o pensamento helênico, na sistematização imponente de Aristóteles. O
pensamento de Aristóteles, pois, chega a Tomás de Aquino enriquecido com os
comentários pormenorizados, especialmente árabes. Nasceu Tomás
em 1225, no castelo de Roccasecca, na Campânia, da família feudal dos condes
de Aquino. Era unido pelos laços de sangue à família imperial e às famílias
reais de França, Sicília e Aragão. Recebeu a primeira educação no grande
mosteiro de Montecassino, passando a mocidade em Nápoles como aluno daquela
universidade. Depois de ter estudado as artes liberais, entrou na ordem
dominicana, renunciando a tudo, salvo à ciência. Tal acontecimento determinou
uma forte reação por parte de sua família; entretanto, Tomás triunfou da
oposição e se dedicou ao estudo assíduo da teologia, tendo como mestre
Alberto Magno, primeiro na universidade de Paris (1245-1248) e depois em
Colônia. Também Alberto , filho da nobre
família de duques de Bollstädt (1207-1280), abandonou o mundo e entrou na
ordem dominicana. Ensinou em Colônia, Friburgo, Estrasburgo, lecionou
teologia na universidade de Paris, onde teve entre os seus discípulos também
Tomás de Aquino, que o acompanhou a Colônia, aonde Alberto foi chamado para
lecionar no estudo
geral de sua ordem. A atividade científica de Alberto Magno é
vastíssima: trinta e oito volumes tratando dos assuntos mais variados -
ciências naturais, filosofia, teologia, exegese, ascética.
Em 1252 Tomás voltou para a universidade de Paris, onde ensinou até
1269, quando regressou à Itália, chamado à corte papal. Em 1269 foi de novo à
universidade de Paris, onde lutou contra o averroísmo de Siger de Brabante;
em 1272, voltou a Nápoles, onde lecionou teologia. Dois anos depois, em 1274,
viajando para tomar parte no Concílio de Lião, por ordem de Gregório X,
faleceu no mosteiro de Fossanova, entre Nápoles e Roma. Tinha apenas quarenta
e nove anos de idade. As obras do Aquinate podem-se
dividir em quatro grupos: 1. Comentários: à lógica, à física,
à metafísica, à ética de Aristóteles; à Sagrada Escritura; a Dionísio
pseudo-areopagita; aos quatro livros das sentenças de Pedro Lombardo. 2. Sumas: Suma Contra os Gentios , baseada
substancialmente em demonstrações racionais; Suma Teológica , começada em
1265, ficando inacabada devido à morte prematura do autor. 3. Questões: Questões Disputadas (Da verdade
, Da alma
, Do mal
, etc.); Questões
várias . 4. Opúsculos: Da Unidade do
Intelecto Contra os Averroístas ; Da Eternidade do Mundo , etc. O Pensamento: A Gnosiologia
Diversamente do agostinianismo, e
em harmonia com o pensamento aristotélico, Tomás considera a filosofia
como uma disciplina essencialmente teorética, para resolver o problema do
mundo. Considera também a filosofia como absolutamente distinta da teologia,
- não oposta - visto ser o conteúdo da teologia arcano e revelado, o da
filosofia evidente e racional. A gnosiologia tomista -
diversamente da agostiniana e em harmonia com a aristotélica - é empírica e
racional, sem inatismos e iluminações divinas. O conhecimento humano tem dois
momentos, sensível e intelectual, e o segundo pressupõe o primeiro. O
conhecimento sensível do objeto, que está fora de nós, realiza-se mediante a
assim chamada espécie sensível . Esta é a impressão, a imagem, a forma do objeto
material na alma, isto é, o objeto sem a matéria: como a impressão do sinete
na cera, sem a materialidade do sinete; a cor do ouro percebido pelo olho,
sem a materialidade do ouro. O conhecimento intelectual depende
do conhecimento sensível, mas transcende-o. O intelecto vê em a natureza das
coisas - intus
legit - mais profundamente do que os sentidos, sobre os quais
exerce a sua atividade. Na espécie sensível - que representa o objeto
material na sua individualidade, temporalidade, espacialidade, etc., mas sem
a matéria - o inteligível, o universal, a essência das coisas é contida
apenas implicitamente, potencialmente. Para que tal inteligível se torne
explícito, atual, é preciso extraí-lo, abstraí-lo, isto é,
desindividualizá-lo das condições materiais. Tem-se, deste modo, a espécie inteligível
, representando precisamente o elemento essencial, a forma universal das
coisas. Pelo fato de que o inteligível é
contido apenas potencialmente no sensível, é mister um intelecto agente que
abstraia, desmaterialize, desindividualize o inteligível do fantasma ou
representação sensível. Este intelecto agente é como que uma luz espiritual
da alma, mediante a qual ilumina ela o mundo sensível para conhecê-lo; no
entanto, é absolutamente desprovido de conteúdo ideal, sem conceitos
diferentemente de quanto pretendia o inatismo agostiniano. E, ademais, é uma
faculdade da alma individual, e não noa advém de fora, como pretendiam ainda
i iluminismo agostiniano e o panteísmo averroísta. O intelecto que
propriamente entende o inteligível, a essência, a idéia, feita explícita,
desindividualizada pelo intelecto agente, é o intelecto passivo , a que
pertencem as operações racionais humanas: conceber, julgar, raciocinar,
elaborar as ciências até à filosofia. Como no conhecimento sensível, a
coisa sentida e o sujeito que sente, formam uma unidade mediante a espécie
sensível, do mesmo modo e ainda mais perfeitamente, acontece no conhecimento
intelectual, mediante a espécie inteligível, entre o objeto conhecido e o
sujeito que conhece. Compreendendo as coisas, o espírito se torna todas as
coisas, possui em si, tem em si mesmo imanentes todas as coisas,
compreendendo-lhes as essências, as formas. É preciso claramente salientar que,
na filosofia de Tomás de Aquino, a espécie inteligível não é a coisa
entendida, quer dizer, a representação da coisa (id quod intelligitur) ,
pois, neste caso, conheceríamos não as coisas, mas os conhecimentos das
coisas, acabando, destarte, no fenomenismo. Mas, a espécie inteligível é o
meio pelo qual a mente entende as coisas extramentais (é, logo, id quo intelligitur
). E isto corresponde perfeitamente aos dados do conhecimento, que nos
garante conhecermos coisas e não idéias; mas as coisas podem ser conhecidas
apenas através das espécies e das imagens, e não podem entrar fisicamente no
nosso cérebro. O conceito tomista de verdade é
perfeitamente harmonizado com esta concepção realista do mundo, e é
justificado experimentalmente e racionalmente. A verdade lógica não está nas
coisas e nem sequer no mero intelecto, mas na adequação entre a coisa e o
intelecto: veritas
est adaequatio speculativa mentis et rei . E tal adequação é
possível pela semelhança entre o intelecto e as coisas, que contêm um
elemento inteligível, a essência, a forma, a idéia. O sinal pelo qual a
verdade se manifesta à nossa mente, é a evidência; e, visto que muitos
conhecimentos nossos não são evidentes, intuitivos, tornam-se verdadeiros
quando levados à evidência mediante a demonstração. Todos os conhecimentos sensíveis
são evidentes, intuitivos, e, por conseqüência, todos os conhecimentos
sensíveis são, por si, verdadeiros. Os chamados erros dos sentidos nada mais
são que falsas interpretações dos dados sensíveis, devidas ao intelecto. Pelo
contrário, no campo intelectual, poucos são os nossos conhecimentos
evidentes. São certamente evidentes os princípios primeiros (identidade,
contradição, etc.). Os conhecimentos não evidentes são reconduzidos à
evidência mediante a demonstração, como já dissemos. É neste processo
demonstrativo que se pode insinuar o erro, consistindo em uma falsa passagem
na demonstração, e levando, destarte, à discrepância entre o intelecto e as
coisas. A demonstração é um processo
dedutivo, isto é, uma passagem necessária do universal para o particular. No
entanto, os universais, os conceitos, as idéias, não são inatas na mente
humana, como pretendia o agostinianismo, e nem sequer são inatas suas
relações lógicas, mas se tiram fundamentalmente da experiência, mediante a
indução, que colhe a essência das coisas. A ciência tem como objeto esta
essência das coisas, universal e necessária. A Metafísica
A metafísica tomista pode-se
dividir em geral e especial. A metafísica geral - ou ontologia
- tem como objeto o ser em geral e as atribuições e leis relativas. A
metafísica especial estuda o ser em suas grandes especificações: Deus, o
espírito, o mundo. Daí temos a teologia racional - assim chamada,
para distingui-la da teologia revelada; a psicologia racional (racional, porquanto
é filosofia e se deve distinguir da moderna psicologia empírica, que é
ciência experimental); a cosmologia ou filosofia da natureza (que estuda a natureza
em suas causas primeiras, ao passo que a ciência experimental estuda a
natureza em suas causas segundas). O princípio básico da ontologia
tomista é a especificação do ser em potência e ato. Ato significa
realidade, perfeição; potência quer dizer não-realidade, imperfeição. Não
significa, porém, irrealidade absoluta, mas imperfeição relativa de mente e
capacidade de conseguir uma determinada perfeição, capacidade de
concretizar-se. Tal passagem da potência ao ato é o vir-a-ser
, que depende do ser que é ato puro; este não muda e faz com que tudo exista
e venha-a-ser. Opõe-se ao ato puro a potência pura que, de per si,
naturalmente é irreal, é nada, mas pode tornar-se todas as coisas, e chama-se
matéria. A Natureza
Uma determinação, especificação do
princípio de potência e ato, válida para toda a realidade, é o princípio da
matéria e de forma. Este princípio vale unicamente para a realidade material,
para o mundo físico, e interessa portanto especialmente à cosmologia
tomista. A matéria
não é absoluto, não-ente; é, porém, irreal sem a forma, pela qual é
determinada, como a potência é determinada, como a potência é determinada
pelo ato. É necessária para a forma, a fim de que possa existir um ser
completo e real (substância ). A forma é a essência das coisas (água,
ouro, vidro) e é universal. A individuação, a concretização da forma,
essência, em vários indivíduos, que só realmente existem (esta água, este
ouro, este vidro), depende da matéria, que portanto representa o princípio de
individuação no mundo físico. Resume claramente Maritain esta doutrina com as
palavras seguintes: "Na filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino, toda substância
corpórea é um composto de duas partes substanciais complementares, uma
passiva e em si mesma absolutamente indeterminada ( a matéria ), outra ativa e
determinante ( a forma )" . Além destas duas causas
constitutivas (matéria e forma), os seres materiais têm outras duas causas: a
causa eficiente e a causa final. A causa eficiente é a que faz surgir um
determinado ser na realidade, é a que realiza o sínolo , a saber, a síntese
daquela determinada matéria com a forma que a especifica. A causa final é
o fim para que opera a causa eficiente; é esta causa final que determina a
ordem observada no universo. Em conclusão: todo ser material existe pelo
concurso de quatro causas - material , formal , eficiente , final ;
estas causas constituem todo ser na realidade e na ordem com os demais seres
do universo físico. O Espírito
Quando a forma é princípio da vida,
que é uma atividade cuja origem está dentro do ser, chama-se alma .
Portanto, têm uma alma as plantas (alma vegetativa: que se alimenta, cresce e
se reproduz), e os animais (alma sensitiva: que, a mais da alma vegetativa,
sente e se move). Entretanto, a psicologia racional , que diz
respeito ao homem, interessa apenas a alma racional. Além de desempenhar as
funções da alma vegetativa e sensitiva, a alma racional entende e quer, pois
segundo Tomás de Aquino, existe uma forma só e, por conseguinte, uma alma só
em cada indivíduo; e a alma superior cumpre as funções da alma inferior, como
a mais contém o menos. No homem existe uma alma espiritual
- unida com o corpo, mas transcendendo-o - porquanto além das atividades
vegetativa e sensitiva, que são materiais, se manifestam nele também
atividades espirituais, como o ato do intelecto e o ato da vontade. A
atividade intelectiva é orientada para entidades imateriais, como os
conceitos; e, por conseqüência, esta atividade tem que depender de um
princípio imaterial, espiritual, que é precisamente a alma racional. Assim, a
vontade humana é livre, indeterminada - ao passo que o mundo material é
regido por leis necessárias. E, portanto, a vontade não pode ser senão a
faculdade de um princípio imaterial, espiritual, ou seja, da alma racional,
que pelo fato de ser imaterial, isto é, espiritual, não é composta de partes
e, por conseguinte, é imortal. Como a alma espiritual transcende a
vida do corpo depois da morte deste, isto é, é imortal, assim transcende a
origem material do corpo e é criada imediatamente por Deus, com relação ao
respectivo corpo já formado, que a individualiza. Mas, diversamente do
dualismo platônico-agostiniano, Tomás sustenta que a alma, espiritual embora,
é unida substancialmente ao corpo material, de que é a forma. Desse modo o
corpo não pode existir sem a alma, nem viver, e também a alma, por sua vez,
ainda que imortal, não tem uma vida plena sem o corpo, que é o seu
instrumento indispensável. Deus
Como a cosmologia e a psicologia
tomistas dependem da doutrina fundamental da potência e do ato, mediante a
doutrina da matéria e da forma, assim a teologia racional tomista depende - e
mais intimamente ainda - da doutrina da potência e do ato. Contrariamente à
doutrina agostiniana que pretendia ser Deus conhecido imediatamente por
intuição, Tomás sustenta que Deus não é conhecido por intuição, mas é
cognoscível unicamente por demonstração; entretanto esta demonstração é
sólida e racional, não recorre a argumentações a priori , mas unicamente a posteriori
, partindo da experiência, que sem Deus seria contraditória. As provas tomistas da experiência
de Deus são cinco: mas todas têm em comum a característica de se firmar em
evidência (sensível e racional), para proceder à demonstração, como a lógica
exige. E a primeira dessas provas - que é fundamental e como que norma para
as outras - baseia-se diretamente na doutrina da potência e do ato.
"Cada uma delas se firma em dois elementos, cuja solidez e evidência são
igualmente incontestáveis: uma experiência sensível, que pode ser a
constatação do movimento, das causas, do contingente, dos graus de perfeição
das coisas ou da ordem que entre elas reina; e uma aplicação do princípio de
causalidade, que suspende o movimento ao imóvel, as causas segundas à causa
primeira, o contingente ao necessário, o imperfeito ao perfeito, a ordem à
inteligência ordenadora". Se conhecermos apenas
indiretamente, pelas provas, a existência de Deus, ainda mais limitado é o
conhecimento que temos da essência divina, como sendo a que transcende
infinitamente o intelecto humano. Segundo o Aquinate, antes de tudo sabemos o
que Deus não é (teologia negativa), entretanto conhecemos também algo de
positivo em torno da natureza de Deus, graças precisamente à famosa doutrina
da analogia.
Esta doutrina é solidamente baseada no fato de que o conhecimento certo de
Deus se deve realizar partindo das criaturas, porquanto o efeito deve Ter
semelhança com a causa. A doutrina da analogia consiste precisamente em
atribuir a Deus as perfeições criadas positivas, tirando, porém, as
imperfeições, isto é, toda limitação e toda potencialidade. O que conhecemos
a respeito de Deus é, portanto, um conjunto de negações e de analogias; e não
é falso, mas apenas incompleto. Quanto ao problemas das relações
entre Deus e o mundo, é resolvido com base no conceito de criação, que
consiste numa produção do mundo por parte de Deus, total, livre e do nada. Quer saber mais? Bibliografia Cultura e Educação na Idade Média, Luiz Jean Lauand (org.), 348 págs.,
Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677. Sobre o Ensino (De Magistro)/Os Sete Pecados Capitais, Tomás de Aquino, 148 págs., Ed. Martins Fontes. Tomás de Aquino — A Razão a Serviço da Fé, José Silveira da Costa, 128 págs., Ed. Moderna, tel.
0800-172002. Verdade e Conhecimento, Tomás de
Aquino, 390 págs., Ed. Martins Fontes. Internet No site www.jeanlauand.com, você encontra artigos
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