PLATÃO
Para o primeiro pedagogo educação era questão
política O filósofo grego
previu um sistema de ensino que mobilizava toda a sociedade para formar sábios e encontrar a virtude Na história das
idéias, o grego Platão (427-347 a.C.) foi o primeiro pedagogo, não só por ter
concebido um sistema educacional para o seu tempo, mas, principalmente, por
tê-lo integrado a uma dimensão ética e política. O objetivo final da
educação, para o filósofo, era a formação do homem moral, vivendo em um
Estado justo. Platão foi o
segundo da tríade dos grandes filósofos clássicos, sucedendo Sócrates (c.
470-399 a.C.) e precedendo Aristóteles (384-332 a.C.), que foi seu discípulo.
Como Sócrates, Platão rejeitava a educação que se praticava na Grécia em sua
época e que estava a cargo dos sofistas, incumbidos de transmitir
conhecimentos técnicos, sobretudo a oratória, aos jovens da elite para
torná-los aptos a ocupar as funções públicas. "Os sofistas afirmavam que
podiam defender igualmente teses contrárias, dependendo dos interesses em
jogo", diz Sérgio Augusto Sardi, professor da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. "Platão, ao
contrário, pensava em termos de uma busca continuada da virtude, da justiça e
da verdade." Para Platão,
"toda virtude é conhecimento". Ao homem virtuoso, segundo ele, é
dado conhecer o bem e o belo. A busca da virtude deve prosseguir pela vida
inteira — portanto, a educação não pode se restringir aos anos de juventude.
Educar é tão importante para uma ordem política baseada na justiça — como
Platão preconizava — que deveria ser tarefa de toda a sociedade. Escola ideal
seria pública e para todos Baseado na idéia
de que os cidadãos que têm o espírito cultivado fortalecem o Estado e que os
melhores entre eles serão os governantes, o filósofo defendia que toda
educação era de responsabilidade estatal — um princípio que só se difundiria
no Ocidente muitos séculos depois. Igualmente avançada, quase visionária, era
a defesa da mesma instrução para meninos e meninas e do acesso universal à
educação. Contudo, Platão
era um opositor da democracia — há até estudiosos que o consideram
um dos primeiros idealizadores do totalitarismo. O filósofo via no sistema
democrático que vigorava na Atenas de seu tempo uma estrutura que dava poder
a pessoas despreparadas para governar. Quando Sócrates, que considerava
"o mais sábio e o mais justo dos homens", foi condenado à morte sob
acusação de corromper a juventude, Platão convenceu-se, de uma vez por todas,
de que a democracia precisava ser substituída. Para ele, o poder
deveria ser exercido por uma espécie de aristocracia, mas não constituída
pelos mais ricos ou por uma nobreza hereditária. Os governantes tinham de ser
definidos pela sabedoria. Os reis deveriam ser filósofos e vice-versa.
"Como pode uma sociedade ser salva, ou ser forte, se não tiver à frente
seus homens mais sábios?", escreveu Platão. Um império em decadência Platão nasceu meses depois da morte de
Péricles, o estadista mais identificado com a democracia de Atenas, e morreu
dez anos antes da conquista do mundo grego por Felipe da Macedônia. Sua vida
coincide em grande parte com a decadência do império ateniense. Platão construiu
uma obra voltada para épocas anteriores. Por meio de seus escritos em forma
de diálogos que as idéias de Sócrates puderam ser sistematizadas e
divulgadas, uma vez que ele não deixou nenhum texto escrito. Nos diálogos,
usualmente, Sócrates e um pensador sofista debatem um assunto até uma
conclusão. Uma vez que Platão não se coloca como personagem, restou a seus
intérpretes póstumos distinguir as idéias de Sócrates das do próprio Platão.
A obra platônica foi sistematizada no início da era cristã. Os títulos mais
célebres são O Banquete e A República. O cristianismo na Idade Média se apropriou do pensamento
platônico por se identificar, entre outras, com a idéia de que em todas as
coisas há uma essência, que se encontra num plano supra-real. Estudo permanente
conduz à sabedoria A educação,
segundo a concepção platônica, visava a testar as aptidões dos alunos para
que apenas os mais inclinados ao conhecimento recebessem a formação completa
para ser governantes. Essa era a finalidade do sistema educacional planejado
pelo filósofo, que pregava a renúncia do indivíduo a favor da comunidade. O
processo era longo, porque Platão acreditava que o talento e o gênio só se
revelam aos poucos. A formação dos
cidadãos começaria antes mesmo do nascimento, pelo planejamento eugênico da
procriação. As crianças deveriam ser tiradas dos pais e enviadas para o
campo, uma vez que Platão considerava corruptora a influência dos mais
velhos. Até os 10 anos, a educação seria predominantemente
física e constituída de brincadeiras e esporte. A idéia era criar uma
reserva de saúde para toda a vida. Em seguida, começaria a etapa da educação
musical (abrangendo música e poesia), para se aprender harmonia e ritmo,
saberes que criariam uma propensão à justiça, e para dar forma atrativa a conteúdos
de Matemática, História e Ciência. Depois dos 16 anos, à música se somariam
os exercícios físicos, para equilibrar força muscular e aprimoramento do
espírito. Aos 20 anos, os
jovens seriam submetidos a um teste para saber que carreira deveriam abraçar.
Os aprovados receberiam, então, mais dez anos de instrução e treinamento para
o corpo, a mente e o caráter. No teste que se seguiria,
os reprovados se encaminhariam para a carreira militar e os aprovados para a
filosofia — nesse caso, os objetivos dos estudos seriam pensar com clareza e
governar com sabedoria. Aos 35 anos, terminaria a preparação dos reis-
filósofos. Mas ainda estavam previstos 15 anos de vida em sociedade, testando
os conhecimentos entre os homens comuns e trabalhando para se sustentar.
Somente os que fossem bem-sucedidos se tornariam governantes ou "guardiães do Estado". O aprendizado como reminiscência Platão defendia a idéia de que a alma precede o corpo e que,
antes de encarnar, tem acesso ao conhecimento. Dessa forma, todo aprendizado
não passaria de reminiscência — um dos princípios centrais do pensamento do
filósofo. Com base nessa teoria, que não encontra eco na ciência
contemporânea, Platão defendia uma idéia que, paradoxalmente, sustenta grande
parte da pedagogia atual: não é possível ou desejável transmitir
conhecimentos aos alunos, mas, antes, levá-los a
procurar respostas, eles mesmos, a suas inquietações. Por isso, o filósofo rejeitava métodos de ensino autoritários.
Ele acreditava que se deveria deixar os estudantes,
sobretudo as crianças, à vontade para que pudessem se desenvolver livremente.
Nesse ponto, a pedagogia de Platão se aproxima de sua filosofia, em que a
busca da verdade é mais importante do que dogmas incontestáveis. O processo
dialético platônico — pelo qual, ao longo do debate de idéias, depuram-se o
pensamento e os dilemas morais — também se relaciona com a procura de
respostas durante o aprendizado. "Platão é do mais alto interesse para
todos que compreendem a educação como uma exigência de que cada um, professor
ou aluno, pense sobre o próprio pensar", diz o professor Sardi. BIOGRAFIA Platão nasceu por volta de 427 a.C. em uma família aristocrática
de Atenas. Quando tinha cerca de 20 anos, aproximou-se de Sócrates, mas tudo
indica que não foi seu discípulo. Era amigo do filósofo, por quem tinha
grande admiração. Comoa maioria dos jovens de sua
classe, quis entrar na política. Contudo a oligarquia e a democracia lhe
desagradaram. Com a condenação de Sócrates à morte, Platão decidiu se afastar
de Atenas e saiu de viagem pelo mundo. Numa de suas últimas paradas, esteve
na Sicília, onde fez amizade com Dion, cunhado do
rei de Siracusa, Dionísio I. De volta a Atenas, com
cerca de 40 anos, Platão fundou a Academia, um instituto de educação e
pesquisa filosófica e científica que rapidamente ganhou grande prestígio.
Três décadas depois, o filósofo foi convidado por Dion
a viajar a Siracusa para educar seu sobrinho
Dionísio II, que se tornara imperador com a morte do pai. A missão foi
frustrada por intrigas políticas que terminaram num golpe dado por Dion. Platão morreu por volta de 347 a.C. Já era um homem
admirado em toda Atenas. "A educação deve
propiciar ao corpo e à alma toda a perfeição e a beleza que podem ter"
Para pensar Platão acreditava que, por meio do conhecimento, seria possível
controlar os instintos, a ganância e a violência. Hoje poucos concordam com
isso; a causa principal foram as atrocidades
cometidas pelos regimes totalitários do século 20, que prosperaram até em
países cultos e desenvolvidos, como a Alemanha. Por outro lado, não há
educação consistente sem valores éticos. Você já refletiu sobre essas
questões? Até que ponto considera a educação um instrumento para a formação
de homens sábios e virtuosos? "Ao longo dos anos, os
antigos encontraram uma boa receita para a educação: ginástica para o corpo e
música para a alma"
Platão
A Vida e as Obras
Diversamente de Sócrates , que era filho do povo, Platão
nasceu em Atenas, em 428 ou 427 a.C., de pais aristocráticos e abastados, de
antiga e nobre prosápia. Temperamento artístico e dialético - manifestação
característica e suma do gênio grego - deu, na mocidade, livre curso ao seu
talento poético, que o acompanhou durante a vida toda, manifestando-se na
expressão estética de seus escritos; entretanto isto prejudicou sem dúvida a
precisão e a ordem do seu pensamento, tanto assim que várias partes de suas
obras não têm verdadeira importância e valor filosófico. Aos vinte anos, Platão travou relação
com Sócrates - mais velho do que ele quarenta anos - e gozou por oito anos do
ensinamento e da amizade do mestre. Quando discípulo de Sócrates e ainda
depois, Platão estudou também os maiores pré-socráticos. Depois da morte do
mestre, Platão retirou-se com outros socráticos para junto de Euclides, em
Mégara. Daí deu início a suas viagens, e fez
um vasto giro pelo mundo para se instruir (390-388). Visitou o Egito, de que
admirou a veneranda antigüidade e estabilidade política; a Itália meridional,
onde teve ocasião de travar relações com os pitagóricos (tal contato será
fecundo para o desenvolvimento do seu pensamento); a Sicília, onde conheceu
Dionísio o Antigo, tirano de Siracusa e travou amizade profunda com Dion,
cunhado daquele. Caído, porém, na desgraça do tirano pela sua fraqueza, foi
vendido como escravo. Libertado graças a um amigo, voltou a Atenas. Em Atenas, pelo ano de 387, Platão
fundava a sua célebre escola, que, dos jardins de Academo, onde surgiu, tomou
o nome famoso de Academia. Adquiriu, perto de Colona, povoado da Ática, uma
herdade, onde levantou um templo às Musas, que se tornou propriedade coletiva
da escola e foi por ela conservada durante quase um milênio, até o tempo do
imperador Justiniano (529 d.C.). Voltando para Atenas, Platão
dedicou-se inteiramente à especulação metafísica, ao ensino filosófico e à
redação de suas obras, atividade que não foi interrompida a não ser pela
morte. Esta veio operar aquela libertação definitiva do cárcere do corpo, da
qual a filosofia - como lemos no Fédon - não é senão uma assídua
preparação e realização no tempo. Morreu o grande Platão em 348 ou 347 a.C.,
com oitenta anos de idade. Platão é o primeiro filósofo antigo
de quem possuímos as obras completas. Dos 35 diálogos, porém, que correm sob
o seu nome, muitos são apócrifos, outros de autenticidade duvidosa. A forma dos escritos platônicos é o
diálogo, transição espontânea entre o ensinamento oral e fragmentário de
Sócrates e o método estritamente didático de Aristóteles. No fundador da Academia,
o mito e a poesia confundem-se muitas vezes com os elementos puramente
racionais do sistema. Faltam-lhe ainda o rigor, a precisão, o método, a
terminologia científica que tanto caracterizam os escritos do sábio
estagirita. A atividade literária de Platão
abrange mais de cinqüenta anos da sua vida: desde a morte de Sócrates , até a sua morte. A parte mais
importante da atividade literária de Platão é representada pelos diálogos -
em três grupos principais, segundo certa ordem cronológica, lógica e formal,
que representa a evolução do pensamento platônico, do socratismo ao aristotelismo . O Pensamento: A Gnosiologia
Como já em Sócrates, assim em Platão
a filosofia tem um fim prático, moral; é a grande ciência que resolve o
problema da vida. Este fim prático realiza-se, no entanto, intelectualmente,
através da especulação, do conhecimento da ciência. Mas - diversamente de
Sócrates, que limitava a pesquisa filosófica, conceptual, ao campo
antropológico e moral - Platão estende tal indagação ao campo metafísico e
cosmológico, isto é, a toda a realidade. Este caráter íntimo, humano,
religioso da filosofia, em Platão é tornado especialmente vivo, angustioso,
pela viva sensibilidade do filósofo em face do universal vir-a-ser, nascer e
perecer de todas as coisas; em face do mal, da desordem que se manifesta em
especial no homem, onde o corpo é inimigo do espírito, o sentido se opõe ao
intelecto, a paixão contrasta com a razão. Assim, considera Platão o espírito
humano peregrino neste mundo e prisioneiro na caverna do corpo. Deve, pois,
transpor este mundo e libertar-se do corpo para realizar o seu fim, isto é,
chegar à contemplação do inteligível, para o qual é atraído por um amor
nostálgico, pelo eros platônico. Platão como Sócrates, parte do
conhecimento empírico, sensível, da opinião do vulgo e dos sofistas, para
chegar ao conhecimento intelectual, conceptual, universal e imutável. A gnosiologia
platônica, porém, tem o caráter científico, filosófico, que falta a
gnosiologia socrática, ainda que as conclusões sejam, mais ou menos,
idênticas. O conhecimento sensível deve ser superado por um outro
conhecimento, o conhecimento conceptual, porquanto no conhecimento humano,
como efetivamente, apresentam-se elementos que não se podem explicar mediante
a sensação. O conhecimento sensível, particular, mutável e relativo, não pode
explicar o conhecimento intelectual, que tem por sua característica a
universalidade, a imutabilidade, o absoluto (do conceito); e ainda menos pode
o conhecimento sensível explicar o dever ser, os valores de beleza, verdade e
bondade, que estão efetivamente presentes no espírito humano, e se distinguem
diametralmente de seus opostos, fealdade, erro e mal-posição e distinção que
o sentido não pode operar por si mesmo. Segundo Platão, o conhecimento humano
integral fica nitidamente dividido em dois graus: o conhecimento sensível,
particular, mutável e relativo, e o conhecimento intelectual, universal,
imutável, absoluto, que ilumina o primeiro conhecimento, mas que dele não se
pode derivar. A diferença essencial entre o conhecimento sensível, a opinião
verdadeira e o conhecimento intelectual, racional em geral, está nisto: o
conhecimento sensível, embora verdadeiro, não sabe que o é, donde pode passar
indiferentemente o conhecimento diverso, cair no erro sem o saber; ao passo
que o segundo, além de ser um conhecimento verdadeiro, sabe que o é, não
podendo de modo algum ser substituído por um conhecimento diverso, errôneo.
Poder-se-ia também dizer que o primeiro sabe que as coisas estão assim, sem
saber porque o estão, ao passo que o segundo sabe que as coisas devem estar
necessariamente assim como estão, precisamente porque é ciência, isto é,
conhecimento das coisas pelas causas. Sócrates estava convencido, como
também Platão, de que o saber intelectual transcende, no seu valor, o saber
sensível, mas julgava, todavia, poder construir indutivamente o conceito da
sensação, da opinião; Platão, ao contrário, não admite que da sensação -
particular, mutável, relativa - se possa de algum modo tirar o conceito
universal, imutável, absoluto. E, desenvolvendo, exagerando, exasperando a
doutrina da maiêutica socrática, diz que os conceitos são a priori,
inatos no espírito humano, donde têm de ser oportunamente tirados, e sustenta
que as sensações correspondentes aos conceitos não lhes constituem a origem,
e sim a ocasião para fazê-los reviver, relembrar conforme a lei da
associação. Aqui devemos lembrar que Platão,
diversamente de Sócrates, dá ao conhecimento racional, conceptual,
científico, uma base real, um objeto próprio: as idéias eternas e universais,
que são os conceitos, ou alguns conceitos da mente, personalizados. Do mesmo
modo, dá ao conhecimento empírico, sensível, à opinião verdadeira, uma base e
um fundamento reais, um objeto próprio: as coisas particulares e mutáveis,
como as concebiam Heráclito e os sofistas. Deste mundo material e contigente,
portanto, não há ciência, devido à sua natureza inferior, mas apenas é
possível, no máximo, um conhecimento sensível verdadeiro - opinião verdadeira
- que é precisamente o conhecimento adequado à sua natureza inferior. Pode
haver conhecimento apenas do mundo imaterial e racional das idéias pela sua
natureza superior. Este mundo ideal, racional - no dizer de Platão -
transcende inteiramente o mundo empírico, material, em que vivemos. Teoria das Idéias
Sócrates mostrara no conceito o
verdadeiro objeto da ciência. Platão aprofunda-lhe a teoria e procura
determinar a relação entre o conceito e a realidade fazendo deste problema o
ponto de partida da sua filosofia. A ciência é objetiva; ao conhecimento
certo deve corresponder a realidade. Ora, de um lado, os nossos conceitos são
universais, necessários, imutáveis e eternos (Sócrates), do outro, tudo no mundo é
individual, contigente e transitório (Heráclito). Deve, logo, existir, além
do fenomenal, um outro mundo de realidades, objetivamente dotadas dos mesmos
atributos dos conceitos subjetivos que as representam. Estas realidades
chamam-se Idéias.
As idéias não são, pois, no sentido platônico, representações intelectuais,
formas abstratas do pensamento, são realidades objetivas, modelos e
arquétipos eternos de que as coisas visíveis são cópias imperfeitas e
fugazes. Assim a idéia de homem é o homem abstrato perfeito e universal de
que os indivíduos humanos são imitações transitórias e defeituosas. Todas as idéias existem num mundo
separado, o mundo dos inteligíveis, situado na esfera celeste. A certeza da
sua existência funda-a Platão na necessidade de salvar o valor objetivo dos
nossos conhecimentos e na importância de explicar os atributos do ente de
Parmênides, sem, com ele, negar a existência do fieri. Tal a célebre teoria
das idéias, alma de toda filosofia platônica, centro em torno do qual gravita
todo o seu sistema. A Metafísica
As Idéias
O sistema metafísico de Platão
centraliza-se e culmina no mundo divino das idéias; e estas contrapõe-se amatéria
obscura e incriada. Entre as idéias e a matéria estão o Demiurgo e as almas,
através de que desce das idéias à matéria aquilo de racionalidade que nesta
matéria aparece. O divino platônico é representado pelo
mundo das idéias e especialmente pela idéia do Bem, que está no vértice. A existência
desse mundo ideal seria provada pela necessidade de estabelecer uma base
ontológica, um objeto adequado ao conhecimento conceptual. Esse conhecimento,
aliás, se impõe ao lado e acima do conhecimento sensível, para poder explicar
verdadeiramente o conhecimento humano na sua efetiva realidade. E, em geral,
o mundo ideal é provado pela necessidade de justificar os valores, o dever
ser, de que este nosso mundo imperfeito participa e a que aspira. Visto serem as idéias conceitos
personalizados, transferidos da ordem lógica à ontológica, terão
consequentemente as características dos próprios conceitos: transcenderão a
experiência, serão universais, imutáveis. Além disso, as idéias terão aquela
mesma ordem lógica dos conceitos, que se obtém mediante a divisão e a
classificação, isto é, são ordenadas em sistema hierárquico, estando no
vértice a idéia do Bem, que é papel da dialética (lógica real, ontológica)
esclarecer. Como a multiplicidade dos indivíduos é unificada nas idéias
respectivas, assim a multiplicidade das idéias é unificada na idéia do Bem.
Logo, a idéia do Bem, no sistema platônico, é a realidade suprema, donde
dependem todas as demais idéias, e todos os valores (éticos, lógicos e
estéticos) que se manifestam no mundo sensível; é o ser sem o qual não se
explica o vir-a-ser. Portanto, deveria representar o verdadeiro Deus
platônico. No entanto, para ser verdadeiramente tal, falta-lhe a
personalidade e a atividade criadora. Desta personalidade e atividade
criadora - ou, melhor, ordenadora - é, pelo contrário, dotado o Demiurgo o
qual, embora superior à matéria, é inferior às idéias, de cujo modelo se
serve para ordenar a matéria e transformar o caos em cosmos. As Almas
A alma, assim como o Demiurgo,
desempenha papel de mediador entre as idéias e a matéria, à qual comunica o
movimento e a vida, a ordem e a harmonia, em dependência de uma ação do
Demiurgo sobre a alma. Assim, deveria ser, tanto no homem como nos outros
seres, porquanto Platão é um pampsiquista, quer dizer, anima toda a
realidade. Ele, todavia, dá à alma humana um lugar e um tratamento à parte,
de superioridade, em vista dos seus impelentes interesses morais e ascéticos,
religiosos e místicos. Assim é que considera ele a alma humana como um ser
eterno (coeterno às idéias, ao Demiurgo e à matéria), de natureza espiritual,
inteligível, caído no mundo material como que por uma espécie de queda
original, de um mal radical. Deve portanto, a alma humana, libertar-se do
corpo, como de um cárcere; esta libertação, durante a vida terrena, começa e
progride mediante a filosofia, que é separação espiritual da alma do corpo, e
se realiza com a morte, separando-se, então, na realidade, a alma do corpo. A faculdade principal, essencial da
alma é a de conhecer o mundo ideal, transcendental: contemplação em que se
realiza a natureza humana, e da qual depende totalmente a ação moral.
Entretanto, sendo que a alma racional é, de fato, unida a um corpo, dotado de
atividade sensitiva e vegetativa, deve existir um princípio de uma e outra.
Segundo Platão, tais funções seriam desempenhadas por outras duas almas - ou
partes da alma: a irascível(ímpeto), que residiria no peito, e a concupiscível
(apetite), que residiria no abdome - assim como a alma racional
residiria na cabeça. Naturalmente a alma sensitiva e a vegetativa são
subordinadas à alma racional. Logo, segundo Platão, a união da alma
espiritual com o corpo é extrínseca, até violenta. A alma não encontra no
corpo o seu complemento, o seu instrumento adequado. Mas a alma está no corpo
como num cárcere, o intelecto é impedido pelo sentido da visão das idéias,
que devem ser trabalhosamente relembradas. E diga-se o mesmo da vontade a
respeito das tendências. E, apenas mediante uma disciplina ascética do corpo,
que o mortifica inteiramente, e mediante a morte libertadora, que desvencilha
para sempre a alma do corpo, o homem realiza a sua verdadeira natureza: a
contemplação intuitiva do mundo ideal. O Mundo
O mundo material, o cosmos platônico,
resulta da síntese de dois princípios opostos, as idéias e a matéria. O
Demiurgo plasma o caos da matéria no modelo das idéias eternas, introduzindo
no caos a alma, princípio de movimento e de ordem. O mundo, pois, está entre
o ser
(idéia) e o não-ser
(matéria), e é o devir ordenado, como o adequado conhecimento sensível está
entre o saber e o não-saber, e é a opinião verdadeira. Conforme a cosmologia
pampsiquista platônica, haveria, antes de tudo, uma alma do mundo e, depois,
partes da alma, dependentes e inferiores, a saber, as almas dos astros, dos
homens, etc. O dualismo dos elementos
constitutivos do mundo material resulta do ser e do não-ser, da ordem e da
desordem, do bem e do mal, que aparecem no mundo. Da idéia - ser, verdade,
bondade, beleza - depende tudo quanto há de positivo, de racional no
vir-a-ser da experiência. Da matéria - indeterminada, informe, mutável,
irracional, passiva, espacial - depende, ao contrário, tudo que há de
negativo na experiência. Consoante a astronomia platônica, o
mundo, o universo sensível, são esféricos. A terra está no centro, em forma de
esfera e, ao redor, os astros, as estrelas e os planetas, cravados em esferas
ou anéis rodantes, transparentes, explicando-se deste modo o movimento
circular deles. No seu conjunto, o mundo físico
percorre uma grande evolução, um ciclo de dez mil anos, não no sentido do
progresso, mas no da decadência, terminados os quais, chegado o grande ano
do mundo, tudo recomeça de novo. É a clássica concepção grega do eterno
retorno, conexa ao clássico dualismo grego, que domina também a grande
concepção platônica.
OBRAS UTILIZADAS
DURANT, Will, História da Filosofia
- A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora
Nacional, 1.ª edição, 1926. FRANCA S. J., Padre Leonel, Noções de História da
Filosofia. PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís,
História da
Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974. VERGEZ, André e HUISMAN, Denis, História da Filosofia
Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª
edição, 1980. Coleção Os Pensadores, Os Pré-socráticos,
Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973. Quer saber mais? A Educação do Homem Segundo Platão, Evilázio F. Borges Teixeira, 144
págs., Ed. Paulus, tel. (11) 5084-3066. Paidéia — A Formação do Homem Grego, Werner Jaeger, 1440 págs., Ed.
Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677. A República, Platão, 320 págs., Ed.
Martin Claret, tel. (11) 3672-8144. |