HISTÓRIA E IDÉIAS PEDAGÓGICAS DA COMPANHIA DE JESUS (OS JESUÍTAS) O objetivo dos jesuítas ao fundar sua congregação, a
Companhia de Jesus, faz jus ao espírito de seu fundador, que era militar
convertido ao catolicismo. Inácio de Loyola era seu novo nome, tinha como
princípio formar um exército de Cristo, formar bons soldados da igreja de
Roma, capazes de combater na Europa a heresia e os rebeldes no resto do
mundo, isto é, converter os pagãos. Havia, portanto, determinação em atuar na
educação desses bons soldados, a fim de purificá-los do mal. Dessa forma, os
alunos deveriam passar por uma reciclagem intelectual e científica para
combater os vícios e os pecados, incluindo programas de aprofundamento das
matérias escolares... No início, a aristocracia não atribuía aos jesuítas o ensino da
elite. Eram chamados a propiciar a educação dos mais pobres, entendida como
uma obra de caridade, particularmente nas colônias de Portugal. Este ensino não seria um ensino para todos,
era um ensino elitista ou aristocrático e ensinar os ignorantes a ler e
escrever seria uma obra de caridade, portanto a preocupação básica no início
da ordem era com aqueles que não detinham o poder econômico
e político na Europa. A história dos jesuítas é cercada de ambigüidades. Uma delas,
talvez a mais marcante, é sua expulsão das colonias e centros de educação a
nível mundial no século XVIII, em um momento onde a filosofia moderna inicia
sua radical transformação ideológica, particularmente no campo pedagógico. A ambigüidade consiste em considerar, por um lado, que a
principal razão da expulsão dos jesuítas do campo educacional, pela igreja,
foi fruto da insubordinação à autoridade papal, graças a sua inovação em
querer aplicar idéias modernas aos conteúdos humanísticos, tendo da filosofia
tradicional, tendo inclusive, Descartes como um de seus alunos, como se
estivesse violando os dogmas católicos. Por outro lado, há a acusação
política do poder aliado da Igreja, especialmente do Marquês de Pombal, em
Portugal, à Ordem, por propagar os ideais pedagógicos exclusivamente do
catolicismo tradicional, em detrimento de uma educação democrática e
pluralista gestada pela filosofia moderna. Pode-se, então, indagar: qual foi realmente o papel da educação
católica, em especial dos jesuítas, no processo de transição da educação
tradicional para a educação e as ciências modernas? Recorreremos à história para tentar responder à questão. Neste
sentido, é importante levantar alguns dados históricos da Companhia de Jesus,
que nos ajudam a entender os objetivos educacionais e a filosofia de educação
da Igreja católica defendida por várias Ordens, sem dúvida, a mais influente
de todas no que tange ao projeto educacional. A Companhia de Jesus foi fundada em 1534, na Espanha, por Inácio
de Loyola, ex-combatente de guerra nascido em 1491, na cidade de Loyola, na
Espanha. Foi aprovada pelo Papa Paulo III, em 1540. Logo no início da Companhia, o rei D. João III, de Portugal - um
dos maiores impérios colonizadores do Ocidente - chamou os jesuítas para
ocupar-se da educação daquele reino. O diretor do Colégio de Santa Bárbara em
Paris indicara ao rei a existência de um novo grupo de clérigos que
considerava aptos para converter toda a Índia. Santo. Inácio de Loyola acedeu
ao convite do rei português e enviou para Portugal, em 1540, dois dos seus
primeiros educadores: o navarro Francisco Xavier e o português Simão
Rodrigues. O primeiro partiu no ano seguinte para a Índia, enquanto o segundo
ficou na Europa, lançando as bases da educação na Província de Portugal. O crescimento da Companhia de Jesus em Portugal foi rápido,
sendo responsável pelo surgimento de vários colégios e universidades. Em
1542, foi fundado, em Coimbra, um colégio interno (só para seminaristas),
para formação dos membros mais novos da Ordem. O primeiro colégio em que os
jesuítas ministraram aulas públicas, não só para vocacionados ao sacerdócio,
foi o de Santo Antão, em Lisboa, inaugurado em 1553. Em 1559, foi fundada a
Universidade de Évora e, progressivamente, a atividade pedagógica dos
jesuítas foi se estendendo às principais cidades do país, como a de Braga
(1560), a de Bragança (1561), a do Porto (1630), entre outras. Os jesuítas
chegaram a dirigir trinta estabelecimentos de ensino, formando a única rede
escolar orgânica e estável do país. O ensino era gratuito e aberto a todas as
classes sociais; a Companhia só começava uma nova escola quando houvesse uma
dotação ou fundação que assegurasse os meios necessários para o seu
funcionamento. Em 1542, Francisco Xavier desembarcou em Goa depois de percorrer
vastas regiões da Índia, chegando ao Japão em 1549. Após sua morte, em 1552,
a evangelização do Oriente continuou, a cargo de sucessivas levas de
missionários que diversificaram as regiões alcançadas, começando em Macau
(1565) até Laos (1642). Na África, os jesuítas chegaram no Congo, em 1547,
fixando-se ao longo dos anos em diversas outras cidades. Em 1604, iniciaram a
missão de Cabo Verde, e depois à Guiné e Serra Leoa. A primeira expedição ao
Brasil, foi em 1549. A todas as regiões, os jesuítas levaram a sua prática
pedagógica. Principalmente no Brasil, fundaram uma rede de colégios,
seminários e escolas primárias e confessionais, com ensino gratuito
sustentado por explorações agro pecuárias e outras propriedades legadas para
patrimônio dos centros de ensino. O principal expoente jesuíta no Brasil foi
José de Anchieta. A partir de 1756 foi nomeado pelo rei D. José I, para Secretário
de Estado dos Negócios do Reino, então o mais alto cargo da estrutura
governamental, Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal. Suas
sucessivas medidas passam a reduzir gradativamente o poder de ação dos
jesuítas em Portugal e nos domínios ultramarinos, sobretudo no Brasil. Em
1759, o domínio jesuítico na educação foi interrompido, principalmente por
decisão de Pombal, que se empenhou em decretar oficialmente a expulsão dos
jesuítas de todos os territórios portugueses. As causas desta decisão parecem
ser de natureza político-ideológica e política, graças às filosofias
educacionais da Modernidade que tinham em Pombal um fiel defensor. A Companhia de Jesus era um obstáculo aos ideais e ao projeto
político moderno, que se pretendia implementar na época, mais centralizado no
Estado. Era o sistema absolutista, iluminado, que Pombal queria impor,
indiferente à resistência das forças sociais que rechaçavam a Modernidade. Dominando o sistema de ensino em Portugal e no Ultramar,
vinculados por uma ligação especial a Roma e possuidores de um grande influxo
cultural, os jesuítas formavam um corpo facilmente visto como ameaça para um
sistema absolutista que ambicionava controlar todos os aspectos da vida
social, incluindo uma Igreja mais submetida ao Estado. Se a esta moldura
ideológica, juntarmos a apetência pelo patrimônio considerável de posse dos
jesuítas, teremos reunidas as condições para o desencadear da perseguição. A campanha antijesuítica levou à formulação de uma série de
acusações publicadas em toda a Europa. A luta de Pombal contra a Companhia de
Jesus não se limitou aos domínios da Coroa portuguesa. Prolongou-se, em
conjunto com as cortes bourbônicas, até alcançar o fim pretendido: a extinção
da Companhia de Jesus, em 21 de julho de 1773. Por um breve (decreto), o Papa
Clemente XIV decreta ou que a Companhia de Jesus deveria ser dissolvida em
todo o mundo. A Prússia e a Rússia Branca recusaram a ordem papal,
tornando-se os principais focos de exílio dos jesuítas. Entre as principais acusações feitas aos jesuítas,
encontravam-se a resistência dos mesmos à aplicação do Tratado de Madri,
celebrado entre Portugal e Espanha para a delimitação de fronteiras na
América do Sul; a oposição, no Brasil setentrional, às leis que regulavam a
administração das aldeias de índios; o exercício de atividades comerciais
proibidas a religiosos; a decadência dos jesuítas portugueses; a difamação do
rei no estrangeiro; e a participação, pelo menos moral no atentado contra D.
José e na revolta popular do Porto ocorrida em 1757. Apesar deste acervo de
acusações, o único jesuíta a ser objeto de julgamento formal foi Gabriel
Malagrida, italiano, acusado de heresia e condenado à morte, em 1761. A restauração ou volta dos jesuítas começa inicia-se em 7 de
agosto de 1814, após as Revoluções modernas, com a autorização do Papa Pio
VII, fundamentado nos benefícios de sua experiência educativa. Embora,
posteriormente, tornassem a ocorrer outras perseguições e expulsões dos
inacianos de vários países do mundo, ao longo do século XIX, devido à
resistência da Igreja em acatar as mudanças das revoluções modernas, a volta
dos jesuítas proporciona o reinicio das suas atividades educativas, ainda que
sem a originalidade da Companhia antiga: os colégios passam aos poucos a ser
confessionais e privados e os religiosos inserem-se na missão com
trabalhadores de fábricas, embora com métodos da época, hoje considerados
paternalistas (círculos de trabalhadores, obras sociais, editoras, escolas
populares etc.). A Companhia continua o esforço de pesquisa e publicação em
todos os campos das ciências, artes e letras, e participa da nova atividade
missionária da Igreja e educando as elites tradicionais com seus colégios e
faculdades privadas. Entre os colégios destacam-se os de Campolide e São
Fidel, em Portugal. Além de importantes como estabelecimentos de ensino,
tornaram-se também centros de intensa atividade científica, através de
inúmeras publicações. Em São Fidel, foi fundada em 1902 a revista Brotéria,
assim denominada em homenagem ao naturalista português Avelar Brotero. Eram
os professores dos colégios que dirigiam a revista, publicando nas suas
páginas artigos de investigação, com destaque para as áreas de botânica e
zoologia. Na realidade, a atuação dos jesuítas no século passado estava
diretamente relacionada às conjunturas políticas, alterando-se de acordo, com
as oscilações dos governos - conservadores ou liberais. A maioria dos
católicos identificava sua fé com o antigo regime (monárquico) e muitos
jesuítas participavam dessa mentalidade. Quando os governos eram
conservadores, os jesuítas eram chamados e exaltados; quando os liberais
subiam ao poder, eles eram novamente perseguidos e exilados. 1. Os jesuítas e a educação A Companhia de Jesus, portanto, se institui na história com uma
missão religiosa. A ação na educação é conseqüência de circunstâncias sociais
e políticas do século XVI, época caracterizada por divisão e conflito dentro
da Igreja. Sacudida pela Reforma Protestante, ocorrida no século anterior,
tomou consciência do abandono espiritual em que se encontrava o povo cristão.
Tal constatação levou a Companhia a dar uma resposta aos desafios proporcionados
pela Reforma, atuando em três campos, a saber: o primeiro - o serviço ao
povo, na defesa e propagação da fé católica. Nesse contexto, os primeiros
jesuítas dedicaram-se aos ministérios sacerdotais tradicionais (pregação,
confissões, catequese...), junto com novas iniciativas e estratégias
pastorais: os Exercícios Espirituais, as Missões Populares, Associações de
Leigos, e o uso do teatro na pregação, liturgia e catequese. Inicialmente a
educação não era o principal objetivo. O segundo foi a propagação dos ideais pedagógicos católicos nos
territórios desconhecidos. Aproveitando o esforço expansionista dos grandes
impérios da época (Espanha e Portugal), os jesuítas se fazem presentes, desde
a primeira hora, nos novos mundos que se abrem à atividade missionária. O terceiro foi a atividade educativa católica e científica da
juventude. Imprevista ao nascer a Companhia, essa atividade tornou-se logo a principal
tarefa dos jesuítas. A gratuidade do ensino da antiga Companhia favoreceu a
expansão dos colégios. A ação pedagógica muda a idéia original de seu
fundador. Esta atuação é que nos interessa abordar. A Companhia de Jesus,
aliada aos colonizadores, que, pela expansão das fronteiras geográficas, com
a descoberta da América e abertura de novas rotas comerciais na Ásia,
descentralizam o saber da Europa. Estes fatos, somados com a pedagogia
jesuíta, possibilitaram uma revolução no campo das ciências e das letras. A Companhia de Jesus, passa a ter como tarefa a educação da
juventude, pois para eles os adultos já tinham as almas perturbadas, enquanto
os jovens poderiam converter-se ao cristianismo. Foi assim que se espalharam
pelo mundo, colocando-se a serviço da educação, formando escolas e trazendo
para o interior da Igreja Católica novas vocações e sacerdotes das colônias
européias de influência católica. 2. Os espaços pedagógicos da Companhia de Jesus A Reforma Protestante do século XV colaborou, intensamente, para
que a Igreja Católica, com receio de perder seu terreno de influência sobre
as almas para suas opositoras, as igrejas protestantes, luterana na
Alemanha e calvinista na Inglaterra, passasse a investir massivamente na
evangelização - cujo instrumento mais poderoso era, sem sombra de dúvida, a
educação. Com efeito, o enorme investimento católico no ideal educativo
deveu-se não só à cumplicidade que aliava a igreja aos interesses coloniais
dos impérios monárquicos, em especial os impérios espanhol e português,
através de um projeto de educação que consistia em formar o homem,
emancipando-o por meio da razão e da cultura; mas também decorreu, e talvez
predominantemente, de um ideal religioso de salvação das almas,
especialmente das populações autóctones das colônias européias. É neste
contexto que se dá o surgimento dos jesuítas, em que a educação tinha o
objetivo de prestar estes serviços à Igreja. A salvação ou educação das
almas deve ser entendida, aqui, como o aprendizado religioso dos alunos
para sua conversão ao cristianismo católico. Suas atividades organizavam-se através de três tipos básicos de
estabelecimentos. Os locais para a educação, para a catequese e para os
retiros; assim ...para a educação, as casas, residências,
colégios e seminários; para a catequese, as aldeias missioneiras; para
tratamento e retiro, as casas de recuperação ou quintas de repouso... e os
hospitais; e para a preparação religiosa, os noviciados, de onde saíram as
levas de soldados para seus exércitos. Os estabelecimentos inacianos recebiam subvenções e concessões
da Coroa e esmolas do povo, por isso, em pouco tempo criaram uma sólida base
econômica para seu sustento, com fazendas, engenhos e currais. Para atender
às suas necessidades, os jesuítas tinham sempre em seus quadros uma grande
quantidade de profissionais, mestres-de-obras, arquitetos, engenheiros,
pedreiros, entalhadores, oleiros, ferreiros, ourives, marceneiros etc. E
dispunham também de grandes escritores, músicos, pintores e escultores. Onde quer que fossem, os inacianos ministravam sempre aulas, de
catequese, de ler, de escrever e de gramática, em locais que chamavam de
casas, pois colégios eram os estabelecimentos que tinham vida econômica
própria e do qual dependiam outros, situados nas proximidades. Nas colônias onde atuavam, não ficavam apenas nas cidades ou
vilas principais, embrenhando-se pelos sertões e matas em busca dos índios.
Estes eram então reunidos em aldeias de três tipos: as dos Colégios, as de
El-Rei e as de Repartição, as que forneciam índios para a própria Companhia,
para o rei e para particulares, respectivamente. Havia também as Missões, ou
grandes aldeamentos, situadas em terras mais distantes, nos sertões, e nas
selvas. Do ponto de vista arquitetônico, as principais cidades coloniais
foram estabelecidas sob o signo de três poderes: o civil, o militar e o
religioso. O primeiro, tinha suas representações nos Palácios de Governo,
Casas de Câmara e Cadeias; o militar, nas fortificações; o religioso, com
suas igrejas, conventos, mosteiros e colégios. No Brasil, por exemplo, ocupou
o lugar de maior destaque e suas obras, entre todas, são as mais significativas
nos núcleos primitivos das cidades, principalmente no contexto urbano de
Salvador. Os Colégios da Companhia transmitiam aos educandos uma cultura
humanística de caráter acentuadamente retórico, atendendo aos interesses da
Igreja e às exigências do patriarcado. Assim, os mais importantes
intelectuais da Colônia estudaram nestes colégios. 3. O método pedagógico jesuítico - Ratio studiorum A morte de Inácio, em 31 de julho de 1556, suscita
questionamentos com relação à atividade didática dos jesuítas e pouco tempo
depois os superiores da Ordem elaboram um documento, publicado em sua última
versão em 1599, baseado nas Regras do Colégio Romano, ao qual intitulam
Ratio Studiorum - Plano de Estudos, que consta de um ...currículo básico e princípios pedagógicos
gerais comuns a todos os colégios da Companhia, é um manual para ajudar os
professores e dirigentes na marcha diária dos Colégios. ...uma série de
regras ou diretrizes práticas que tratam de assuntos como a direção dos
colégios, a formação e distribuição dos professores. O Ratio Studiorum dos jesuítas, introduzindo e
consolidando um "sistema" integrado para seus colégios, criou o
primeiro sistema educacional unificado que o mundo conheceu. Neste pequeno esboço do método jesuítico de educação, destacamos
alguns elementos que nos ajudam a entender tal pedagogia. Os protestantes, após a reforma, como já mencionamos, viam a
importância da escola e constituíram um método denominado Rationes
Studiorum. Seus trabalhos demonstravam que o humanismo poderia ser
perfeitamente compatível com um cristianismo militante. Este fato exerce
influência nos jesuítas, que, por sua vez, criam assim o seu método para o
professor católico, distinguindo-se do protestantismo pelo caráter seletivo
obrigatório, em todos os pormenores de horários, programas etc. A experiência pedagógica dos Jesuítas
sintetiza-se num conjunto de normas e estratégias, chamado "Ratio
Studiorum", que visava à formação integral do homem cristão, de acordo
com a fé e a cultura daquele tempo. Aplicam de forma centralizada o método à escola com uma
irradiação impressionante que o procedimento ficou conhecido como
"autoritário", sendo a autoridade fundada num conhecimento
aprofundado da alma humana e especialmente da psicologia da infância e da
adolescência. Porém, segundo o Pe. Leonel Franca, esta autoridade é
compensada pela ponderação que respeita o progresso do conhecimento e não
violenta o ritmo da evolução humana. Como vimos na introdução, Ratio significa ordem, Studiorum
estudos, a ordem dos estudos, ou método de ensino. Suas características
principais eram a cooperação hierárquica das pessoas do colégio em todos os
níveis; o conhecimento da alma infantil e a compreensão das relações
que devem-se estabelecer entre professor e aluno, primeiro como guia,
conselheiro ou treinador, mais do que o magister da palavra definitiva. O
Ratio indicava:
...a vida é uma concorrência contínua. Desde
os prêmios científicos e louros literários até as taças de campeonatos
desportivos, desde as condecorações militares até as medalhas das exposições
industriais ou agrícolas, todas as atividades do homem que vive em sociedade
sentem-lhe o aguilhão poderoso, impulsionador de iniciativas fecundas e
benfazejas. A emulação foi e será sempre um dos estímulos mais ativos ao
aperfeiçoamento e progresso do homem. Os jesuítas o compreenderam e, com rara
felicidade, aplicaram à formação da juventude.
Sobre o teatro dos jesuítas usado como método pedagógico,
Francis Bacon, que também exerceu grande influência em Locke, nos diz: As declamações teatrais de alunos dos jesuítas
fortalecem a memória, educam a vós, apuram a dicção, aprimoram os gestos e as
atitudes, inspiram a confiança e o domínio de si, habituam os jovens a enfrentar
o olhar das assembléias.
Unidade de direção, corpo e professores
animados nos mesmos princípios, formados na mesma escola, visando aos mesmos
fins, empregando os mesmos meios. Eis a unidade e concentração completa e a
forma do ratio studiorum.
É importante lembrar que a educação do século XVI era totalmente
voltada para a formação de uma civilização moldada nos padrões católicos
europeus; os jesuítas tinham como base a catequese dentro da escola com os
princípios religiosos. Não havia possibilidade de escolha, as disciplinas
religiosas eram obrigatórias e com o mesmo peso das outras. O método tinha
como orientação filosófica a teoria de Aristóteles e Santo Tomas de Aquino
(1227-1274). A filosofia básica era a escolástica teocêntrica, com influência
do tomismo, onde a natureza e o homem estavam subordinados aos princípios do
Deus de origem judaico-cristã. Assim o Ratio definia de forma clara
que em questões de alguma importância não se afaste de Aristóteles... De
Santo Tomas, fale sempre... O princípio norteador do Ratio era global, não
havia ainda os ideais pedagógicos dos nacionalismos quando o método foi
criado; pretendia uma consciência de homem cristão não apenas nacional,
mas universal. No Ratio, a metodologia era entendida como os
processos didáticos adotados para a transmissão de conhecimentos, a fim de
unificar o sistema de ensino da Ordem. Mesmo assim, não houve um padrão único
universal para o trabalho de formação das almas, pois muita
coisa teve que se adaptar às circunstâncias culturais de cada povo. Por fim, ressaltamos que toda a educação dos jesuítas objetivava
a educação das almas, entendida como formação do homem para uma vida
cristã. Como já visto, este era o princípio básico de toda a elaboração
pedagógica expressa em seu método. Mesmo com tal objetivo doutrinário, o método Ratio Studiorum
foi elogiado por René Descartes - ex-aluno dos jesuítas, embora discordando
dos conteúdos, já que este autor é considerado um dos precursores das
ciências modernas e de teorias que se opunham radicalmente à idéia da Igreja
católica sobre as ciências. O confronto desta concepção, expressa no Ratio, com as ciências
modernas possivelmente irá iluminar a evolução do pensamento filosófico
da Modernidade. O surgimento do antropocentrismo - a salvação do homem versus
salvação da alma - marcará o Iluminismo que, confrontando-se com a
concepção teocêntrica que situava a absoluta soberania da natureza e de Deus,
irá subordiná-la à inteligência ou à razão expressas nas ciências
modernas. Neste sentido, as palavras de Pedro Maia tentam sintetizar a
relação deste método com os conflitos da Modernidade com a seguinte
afirmação: O Ratio studiorum foi formulado sob influência
da época conhecida como Renascença. O homem da Renascença não é o homem do
século XX. Mas os problemas subjacentes da educação são os mesmos: o homem é
uma constante e suas faculdades não variam com os séculos... Do século XV à
Revolução Francesa, os homens eram devidamente preparados para a vida se
estavam bem fundados nas letras, na política e na filosofia. Desde 1800,
entretanto, as novas forças de uma verdadeira difusão mundial das ciências e,
mais recentemente, dos problemas sociais, exigem uma preparação para além da
base lingüística e filosófica. É importante destacar, aqui, as descobertas científicas de J.
Kepler (1571-1638) e Galileu Galilei (1564-1642), que comprovaram que o homem
poderia explicar fenômenos até então considerados sagrados, dando início ao
poder do homem e sua emancipação para pensar e observar a natureza. O
surgimento de novas diretrizes filosóficas, com Descartes, Newton, Locke,
Rousseau etc., juntamente com a valorização de novos autores e suas línguas
vernáculas, em detrimento dos autores clássicos, vieram conturbar o sistema
educacional dos jesuítas e, já no início do século XVIII, começam a decair o
prestígio e a aceitação quase mundial da Companhia de Jesus. A secularização do pensamento, apoiada na razão, assim como a
moderna concepção do Estado, que negava a intervenção papal e da Igreja nos
assuntos temporais, valorizando a laicização, foram processos que encontraram
forte resistência entre os jesuítas, defensores contumazes do poder de tutela
da Igreja sobre as atividades do Estado. Como vimos, a Companhia de Jesus nasceu em meio a uma situação
de conflito. Seu fundador queria que fosse um grupo móvel, disponível para
acudir as almas nos lugares em que a necessidade fosse maior. Mesmo quando os
conflitos entre católicos e protestantes se amenizaram, podemos identificar
na história que o surgimento da nova filosofia moderna afetou profundamente
os ideais pedagógicos desta instituição. O surgimento das ciências naturais influencia posteriormente os
jesuítas à adaptação do método Ratio Studiorum aos ideais modernos. O
período do renascimento da companhia no século XIX já se caracteriza como uma
nova filosofia, profundamente influenciada pelos ideais das Luzes, que se
estendem até nossos dias, onde o Serviço da fé e promoção da justiça é
a expressão mais debatida pelos educadores da Companhia de Jesus que tentam
adaptar sua pedagogia aos ideais da modernidade. 4. A educação jesuítica e a idéia de educação para todos Outro elemento importante que podemos anotar é a relação dos
jesuítas com o surgimento da escola pública (escola para todos) no século
XVIII. É curioso afirmar, mas parece ser possível pensar que o surgimento da
educação para todos tem antecedentes importantes na experiência católica
jesuíta. Pode-se então perguntar até que ponto a educação das almas,
tal como caracterizamos a finalidade monolítica que perseguia o ensino
religioso (em nome da qual todos os demais valores da educação eram
excluídos), exerce influência sobre a formação da escola pública? Que
conceitos de vida essa educação ajudou a enraizar na formação das populações,
particularmente da Europa, e no imaginário religioso? Que contribuições deram
com sua escola? Que influências o método de ensino - o Ratio Studiorum
- exerceu, e ainda exerce, sobre as relações que as sociedades mantêm com a
educação? A partir dessas indagações, é possível pensar vários aspectos
para um estudo destas idéias pedagógicas e as influências da escola católica
do período medieval na formação da escola pública dos séculos XVII e XVIII. Em síntese, dois elementos podem ser citados nesta análise: a
educação dos jesuítas aparece como uma corrente de pensamento da escola
católica, e sua prática pedagógica possivelmente influenciou os fatos que
antecederam o nascimento da escola pública. O outro é a análise das
representações, conceitos e noções que fundam a instituição de comportamentos,
do método, das finalidades proclamadas de uma escola para salvação das
almas, com suas características e contradições. Para o entendimento destas duas idéias é preciso dizer que
Martinho Lutero (1483 -1546), um dos reformadores da igreja católica em 1480,
foi um dos primeiros a criar o conceito de educação para todos. Na
visão do reformador, que combatia o predomínio do catolicismo tridentino
sobre a educação, não se podia mais admitir o controle e a influência do
catolicismo sobre as escolas. Para ele a educação tem que ser para todos e
popular. É neste sentido que a afirmação de Lutero nos permite supor que
havia a idéia e uma luta pela concretização de uma instituição pública não
confessional, destinada a prover uma educação abrangente para todos os
membros da sociedade. Esta idéia nada tem de atual, remontando a um passado
bastante distante e desconhecido. Neste sentido, Gadotti chama a atenção para
o fato de que a questão da intervenção do Estado na educação já vinha
sendo debatida desde Lutero. Destarte, não seria demais ousado pensar que, historicamente, o
conflito que, no mundo ocidental, divide católicos e protestantes na disputa
pela formação ou educação das almas se constitui, especificamente, num eficaz
instrumento de promoção da idéia, tanto quanto da realidade, de uma escola
entendida como um serviço popular ao público e ao alcance de todos,
destituído de influência religiosa e doutrinária, isso já no século XV, e,
portanto, muito antes dos teóricos iluministas. Na América e na África, como se sabe, durante muito tempo, a
concepção católica consagrou a imagem do autóctone - do índio, como a do
animal que só por meio do batismo adquiria direito a uma alma.
Conseqüentemente, se a maior finalidade da ação humana podia ser resumida na
participação na obra da salvação, nada haveria de mais grandioso do que o
trabalho de catequese através do qual o índio, tornando-se cristão, ganhava,
mais do que a alma, uma alma batizada - e, portanto, aberta à redenção. E
mais, a alma cristã projetava sobre a vida terrena a sombra de uma nova
dignidade: incorporação à sociedade, status civil anteriormente negado ao
habitante da colônia. Tal era o sentido que podia adquirir a tarefa de salvação das
almas, pois a missão que coube aos jesuítas deve ser considerada como um
supremo reconhecimento concedido à Ordem pelo Papa, reservando para estes
religiosos, no início do século XVI, o privilégio de educar os homens e de
salvar e acompanhar suas almas. Nesta missão, eminentemente espiritual,
ganhava relevo tanto o cuidado com os civilizados que, afastando-se do olhar
zeloso da igreja, vinham desterrar-se nas novas terras, quanto o projeto de
ganhar para a fé os silvícolas, nativos das terras agora dominadas e
invadidas. No caso do Brasil, uma afirmação dificilmente poderá ser
omitida: foram os jesuítas que efetivamente se encarregaram, nos dois
primeiros séculos de colonização brasileira, da formação, tanto dos
educadores como dos educandos. Ressalte-se, porém, o caráter eminentemente
público que então revestia esta função, da qual se incumbia a instituição
religiosa. Longe do caráter privado que hoje caracteriza a escola particular,
católica ou protestante, neste momento, o trabalho religioso podia se
confundir, e de fato o fazia, com o interesse político do Estado. No período
áureo da Cristandade, Igreja e Estado trabalhavam juntos e indissociáveis
pela realização de interesses que uniam o temporal ao religioso, conformando
um mesmo poder político sobre os homens do mundo civilizado e das novas
terras. Império e igreja eram uma só realidade que, por sua vez, determinavam
a estrutura política e social da época. A análise do conflito que opõe o Iluminismo à prática jesuítica
- percurso que poderia ser definido como o deslocamento da noção de salvação
das almas em benefício de um ideal de salvação do homem -, nas
relações de oposição entre estes dois termos, tanto quanto nas influências
que o primeiro exerce sobre o segundo, pretende se fixar em uma concepção
dualista da educação, às raízes longínquas das concepções sobre a escola
pública. Poderíamos dizer na linguagem moderna que a educação neste
período era "terceirizada", e que os educadores, ao mesmo tempo que
ensinavam, instituíam uma nova cultura e preparavam as populações para serem
dominadas pelo poder dos impérios europeus. Neste sentido, diante da fusão
dessas duas instituições, uma tirando proveito sobre a outra, é que a
educação e o método jesuítico de educar são precursores na formação da escola
pública, tornando-se assim indispensável seu estudo. O que é fundamental
entender aqui é que a escola dos jesuítas estava totalmente a serviço do
poder, pois era a única que existia, tanto para servir a elite como para
servir os índios e colonos. A idéia de público aqui significa ensino para
todos: ...foram os jesuítas que criaram, e, por dois
séculos, quase exclusivamente mantiveram o ensino público no Brasil...os
jesuítas a cada colégio, a cada casa, a cada missão juntaram uma escola,
assentando os fundamentos da instrução pública, da cultura, da civilização... Os jesuítas na educação, como vimos anteriormente, tinham um
método de ensino que não foi criado a partir da realidade de cada povo, mas
importado a partir de conceitos e de uma filosofia orientada pelos valores
filosóficos da Igreja católica, ou seja, o Ratio Studiorum. Este
elemento era o elo de unidade da pedagogia e da doutrina em qualquer parte do
mundo. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
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