DO
ILUMINISMO DE ROUSSEAU AOS DIAS ATUAIS
O
século 18 foi pródigo em nomes significativos do pensamento pedagógico, que
até hoje são referências para nós. O que teria a nos dizer o século 18?
Primeiramente, estamos em plena Idade Moderna, cuja característica marcante é
ter posto no centro de suas preocupações o ser humano enquanto ente
individual. É a época que consagra os direitos civis, isto é: a liberdade, a
privacidade, a propriedade e sobretudo a face da igualdade que impede toda
sorte de discriminação. É
o momento da defesa do ir e vir e da igualdade de
oportunidades. A sociedade moderna seria aquela em que se acreditava que as luzes da razão
viriam se acender em cada indivíduo, a fim de que pudesse usufruir da
igualdade de oportunidades e colher os frutos do mérito alcançado. Para os
pensadores desse momento histórico, leis racionais devem ser desenvolvidas
tanto para poder realizar o interesse de todos quanto
para evitar que o indivíduo se submeta ao universo passional. Como
essas luzes não se desenvolvem por si mesmas, a instrução deve abrir caminho
para tal. E como nem sempre o indivíduo pode sistematizar esse impulso, como
nem sempre ele é, desde logo, consciente desse valor, cabe a quem representa
o interesse de todos, sem representar o interesse específico de ninguém, dar
o arranque inicial a esse processo. Tal representante é o Estado. Essa
tarefa do Estado ganhou especial realidade na França, após a Revolução
Francesa (1789). A escola tornou-se, então, não só a grande construtora da
nação francesa como também a instituição que garantiria uma
certa homogeneidade entre os cidadãos e, daí, pelo mérito, a
diferenciação de cada qual. Como dever do Estado, ela será expandida por toda
a França. Nesse terreno, será inútil fugir do pensamento sociológico de Émile
Durkheim (1859-1917) em torno do conceito de sociedade como materialização de
uma consciência coletiva. Uma referência até hoje, na França, pela reforma
educacional feita tanto sob o signo de um sistema nacional de educação
gratuita, obrigatória, laica quanto construtora da nacionalidade e da
cidadania, é o nome de Jules Ferry
(1832-1893). Trata-se,
pois, de um período que se crê
enfaticamente na idéia de progresso. Supõe-se que o mundo, guiado
pela razão, avançará em direção a um futuro menos desigual e mais promissor
para todos. É preciso assinalar
que o século 19 será devedor de um grande filósofo e pedagogo que repõe a
figura da criança como um ser em processo e que necessita ser cuidado desde
logo. Trata-se de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). A educação e a criança
tornam-se inseparáveis na medida em que a educação da criança é uma promessa
de um progresso que inclua em si, desde logo, o sentimento e a afetividade. Nasce
daí toda uma preocupação com essa fase da vida humana. A criança é vista como
um potencial a ser desenvolvido pelos professores. Tal processo de
desenvolvimento teria sua garantia ora na figura do professor, pelo método
tradicional, ora na figura da criança, pelos métodos da Escola Nova, que se
desenvolverá a partir do final do século 19. Um grande representante do
método tradicional foi Johann Friedrich
Herbart (1776-1841), com sua didática baseada na direção do professor e na
disciplina interna do aluno. Notável educador que influenciou bastante
Herbart foi o suíço Johann Heinrich
Pestalozzi (1746-1827). Corrente
escolanovista Ao
mesmo tempo, a realidade indicava que os alunos não eram
uma “folha em branco” que deveria ser escrita de fora para dentro. Os
aspectos dinâmicos da criança e a sua curiosidade inata levariam a um movimento
de ensino centrado no educando, com estimulação produzida pelo professor. Tal
movimento seria denominado de Escola Nova. A
Escola Nova volta-se para o interior da escola e estimula o desenvolvimento
de práticas didático-pedagógicas ativas. Um dos seus representantes é o
norte-americano John Dewey (1859-1952), que não por acaso tem seu pensamento
incluído no movimento conhecido como Escola Progressiva. Dewey queria que o
progresso da nação norte-americana se baseasse na igualdade de oportunidades
e que a democratização da sociedade nascesse dentro da escola. A
Escola Nova é também uma adequação educacional ao crescimento urbano e
industrial verificado em muitos países. Por isso mesmo, um dos pilares da
Escola Nova é a identificação dos métodos pedagógicos com a ciência, tida
como uma espécie de timoneira do progresso. Daí decorre, muitas vezes, a
identificação da Escola Nova com a “pedagogia científica”. Representantes
dessa tendência foram tanto Maria Montessori (1870-1952) quanto Ovide Decroly (1871-1932). A
médica e educadora italiana, apoiando-se nas novas ciências, como a psicologia e a psiquiatria, busca fundamentar uma
renovação pedagógica na procura de uma autoeducação
em que o método analítico proposto por meio de materiais pedagógicos é estimulado
pelo professor. Por sua vez, o também médico belga Decroly
postula um método renovador por intermédio de uma articulação entre
“globalização e centros de interesse” do aluno. Nessa
dinâmica entre método e ciência, que avança sobre os processos pedagógicos de
ensino/aprendizagem, acelerando o papel da escola com base em sua realidade
interna, há que apontar dois importantes nomes da escola de “métodos ativos”.
Trata-se de Édouard Claparède
(1873-1940) e de Adolphe Ferrière (1879-1960).
Ambos sofreram influência de Genebra que, à época, era o centro cultural
europeu mais avançado em torno dos métodos ativos da Escola Nova. Genebra
fora o berço de Rousseau e seria também o de Jean Piaget (1896-1980) e sua
educação funcional. Saindo
do continente europeu e passando para a Grã-Bretanha, vê-se que o movimento escolanovista, centrado na figura do aluno ativo,
conheceu o nome de Alexander Neill (1883-1973), que enfatizou tanto os
espaços de liberdade de criação por parte dos estudantes quanto defendeu uma
intervenção mínima no aprendizado por parte dos professores. Direito
social à instrução Com a
industrialização, uma série de conflitos sociais foi gerada. A sociedade
capitalista nascente exacerbou a exploração do trabalho. Com isso, os
conflitos sociais explodiram e, tendo como porta-voz os partidos socialistas,
a idéia nova que então surge é a da transformação. À alienação do trabalhador
deveria suceder sua reintegração a uma sociedade renovada pela supressão da
propriedade privada dos meios de produção e pela igualdade entre as classes. Essa
idéia de transformação colocava na classe operária a tarefa de conduzir o
progresso para uma sociedade sem classes. Ao mesmo tempo, essa corrente não
deixava de alertar para os riscos de a educação ficar submetida a poucos e
com isso se desviar o sentido das conquistas do século 19 para odiosos
privilégios, pelos quais se perverteria a relação entre trabalho e educação. De
acordo com esse espírito, pode-se dizer que a educação adiciona a si, além de
direito individual, a face de um direito social. Estaríamos no interior de
uma pedagogia de “esquerda”. Encontramos aqui a presença de um pensador como Anton Makarenko (1888-1939),
vendo na Revolução Russa de 1917 um campo para transformar a escola em um
sentido socialista, inclusive no âmbito educativo, postulando para ela uma
ligação maior entre produção e sociedade. Ainda
sob essa concepção mais ampla de uma ligação entre trabalho e educação, vemos
florescer o pensamento da pedagogia social de Célestin
Freinet (1896-1966). Tomando para si uma herança de
Durkheim, percebendo a necessidade de uma pedagogia voltada para as classes
populares, Freinet verá na criança tanto o desejo
de cooperação mútua quanto a necessidade de desenvolver essa cooperação em
torno de jogos. Dentro
da tendência de enfatizar o papel do social sobre outros fatores da
aprendizagem, destacou-se também um educador da Bielo-Rússia,
Lev Semenovitch Vygotsky
(1896-1934), que defendeu a tese da gênese social do psiquismo, estruturada
por meio de um sistema de signos. Em
países da Europa Ocidental, o chamado Estado de Bem-Estar Social, consciente
das limitações de uma sociedade baseada só no princípio do mercado e do
individualismo, passa a interferir nas relações econômicas e sociais. Assim,
nos anos 1920, nasce a proteção ao trabalho e ao
trabalhador, bem como a presença de prestações sociais por parte do Estado,
entre as quais a educação escolar. Pode- se falar, então, de um Estado
educador. Exemplo paradigmático dessa tendência é a Constituição da República
Alemã de Weimar, de 1919, em que aparecem
princípios como gratuidade e obrigatoriedade da educação escolar. Orientação
semelhante, no pós-Segunda Guerra Mundial, será o
projeto de reforma do ensino público havido na França sob a inspiração de
Henri Wallon (1879-1962). Em boa
parte, ainda que com características próprias, o Brasil desenvolverá também
uma “pedagogia de esquerda”. Um educador brasileiro alcançará largo
reconhecimento internacional por sua postura que alia um método centrado na confiança do potencial do
“outro” com o reconhecimento da exclusão social. Trata-se de Paulo Freire
(1921-1997), cujo pensamento reconhece a necessidade da inclusão sócio educacional
por meio de uma pedagogia de respeito e de conscientização dos caminhos do
real. Seu pensamento se nutre tanto da visão da educação como direito social
ainda negado quanto de uma composição com o pensamento católico de esquerda e
suas formas participativas de educação não necessariamente escolares. Aprender
a aprender Antes
de chegarmos aos autores mais atuais, é preciso apontar um tempo até certo
ponto “carregado” contra a escola. De um lado, há que se reportar a autores marxistas cuja crítica ignorou ou desconfiou dos
“altos valores da tradição liberal” com relação à educação escolar e a tomou
como reprodutora da ideologia das classes dominadoras ou como falsificadora
das relações sociais pelas quais as classes trabalhadoras são oprimidas. O
futuro da educação só seria promissor após o advento de uma sociedade
socialista. Por outro lado, segmentos intelectuais identificados com o
movimento contra cultural acusavam a escola de ser quase inútil numa
sociedade que dela prescindia. A queda
do Muro de Berlim e a burocracia anacrônica da ex-União Soviética e seus
países-satélites trouxeram descrédito ao “socialismo real”. Ao mesmo tempo, o
desmanche das ditaduras européias e latino-americanas trazido por movimentos
sociais sequiosos de mais liberdade e igualdade puseram
em relevo o papel da democracia sem adjetivos. Paralelamente,
o avanço do conhecimento científico relativizando o peso da força física em
favor da força intelectual, os novos processos produtivos, a rede mundial de
computadores, a celeridade na revisão dos conhecimentos mostraram que a
escola continua sendo uma instituição contemporânea responsável por uma
formação crítica, democrática e cidadã. Mas ela precisa estar à altura de seu
tempo. Por isso, deve mais do que apenas não ser incompetente – deve ser
também competente. A
competência não é uma disciplina ou um objeto. Ela é a “síntese das múltiplas
determinações” que nosso tempo exige do professor e dos estudantes. Só que
uma escola compromissada e competente conhece seus limites. Daí porque é preciso pensa-la dentro de seus muros e fora deles. Cumpre
preservar um ensino de qualidade no qual também se aprenda um método afirmado
pela Escola Nova: o aprender a aprender. Esse método, reforçado pela educação
continuada, tornaria o professor um profissional sempre atualizado com as
redes de conhecimento. Nesse
sentido, muitos autores contemporâneos – como o espanhol César Coll e o suíço
Philippe Perrenoud – vão
se voltar para aspectos intra-escolares, como currículo e competências,
formação inicial e formação continuada, processos de aprendizagem. De certo
modo eles dão por sabido e por pressuposto geral a relação entre educação e
cidadania e não ignoram a importância do financiamento da educação, do papel
do Estado, da família e da legislação. E dessa pedra angular se lançam para
uma decifração da escola, seu ambiente e seus laços com a comunidade, a
importância da autonomia dos projetos pedagógicos, o perfil do docente e
gestão institucional. É assim que são autores de síntese. Incorporam várias
correntes e retrabalham temas. Essas
temáticas vão e voltam em torno de um mundo que muda e com ele os contornos
da educação. O importante é que nossa relação com tais assuntos é uma rede
que se tece em diálogo com outras redes já tecidas no passado e com as que
estão hoje em construção. Este texto quis apenas mostrar-lhe que você também
é um tecelão dessa rede. |