PEDAGOGIA
Condorcet: A luz da Revolução Francesa na escola
Matemático preconizava uma Educação que contribuísse para a
liberdade de pensamento
11/07/2011 18:30 Texto Marcio Ferrari
Condorcet acreditava que a perfeição só seria alcançada com a
educação
"Conservemos por sabedoria o que adquirimos pelo entusiasmo."
"Sob a mais livre das constituições, um povo ignorante é sempre
escravo."
Menos de três anos depois da tomada da Bastilha, em 14
de julho de 1789, data oficial do triunfo da Revolução Francesa, a
Assembléia Nacional, que havia sido investida de poderes constituintes,
recebeu um projeto de organização geral da instrução pública elaborado
pelo marquês de Condorcet (1743-1794). Um dos líderes ideológicos da
revolução, o matemático e filósofo ocupava uma cadeira de deputado pela
cidade de Paris (leia a biografia no quadro acima). Seu projeto,
apresentado na ocasião, era uma tradução para o campo educacional dos
ideais iluministas que nortearam o processo de revolução (saiba quais são
no quadro da página 18).
Assim como a data simboliza o fim do absolutismo e a
vitória da democracia, tanto quanto a substituição da aristocracia pela
burguesia no poder político e econômico, o projeto de Condorcet - embora
não tenha sido aprovado pela assembléia - construiu o arcabouço de uma
nova Educação. "A Revolução Francesa materializava, por intermédio dele, a
criação do modelo da escola do Estado-Nação: única, pública, gratuita,
laica e universal", diz Carlota Boto, professora da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP).
Na concepção do marquês, a instrução era não só do
Estado como também uma condição básica para o seu funcionamento. "O
projeto de Condorcet tem um claro compromisso com a meta de uma sociedade
democrática", prossegue Carlota Boto. "Ele entendia que de nada adiantava
declarar um povo como portador de direitos - e a Declaração de Direitos do
Homem e do Cidadão era a marca da revolução - se cada um dos indivíduos
não pudesse desfrutar deles."
Inclusão de todos, independentemento do sexo
Condorcet tinha uma concepção de sociedade democrática muito avançada, que
incluía todas as pessoas, sem exceção. Ele foi um dos pioneiros na defesa
de um ensino igual para homens e mulheres e também do voto feminino, que a
maioria dos revolucionários não aceitava. Em discursos e escritos,
argumentava contra a discriminação a protestantes e judeus e pregava o fim
da escravidão e o direito de cidadania dos negros.
Educação, dizia Condorcet, era uma questão política. Por isso a ênfase no
papel do Estado, assunto da primeira das Cinco Memórias sobre a Instrução
Pública, versão em livro do projeto apresentado à Assembleia Nacional.
Seria responsabilidade do poder público zelar para que a "desigualdade que
nasce da diferença entre os espíritos" não se tornasse, na prática, um
motivo de distribuição desigual de direitos. A Educação, segundo Condorcet,
deveria ser para todos e oferecer a a possibilidade de desenvolvimento dos
talentos individuais. A sociedade justa seria baseada no mérito de cada
um.
Um ensino que contribuísse para a liberdade de pensamento e a emancipação
dos cidadãos não poderia estar subordinado aos dogmas da religião. Era
pré-condição de sua existência que fosse totalmente laico. Diferentemente
de alguns correligionários, Condorcet tampouco acreditava que a escola
tivesse o papel de difundir civismo e amor à pátria. Ele via nisso um
perigo de doutrinação e adoção não racional de princípios. "Mesmo sob a
mais perfeita das Constituições, um povo ignorante é um povo escravo",
dizia.
Educação em graus e baseada em estatística
Outros projetos para a instrução pública apresentados à Assembléia
Constituinte defendiam diferentes currículos para diferentes alunos, tendo
em conta o meio social e o provável futuro profissional deles. No "antigo
regime", seguindo uma tradição de séculos, a Educação formal dava aos
ricos os meios de ilustração do espírito, reservando aos pobres o
aprendizado dos ofícios artesanais.
Condorcet, ao contrário, dava à Matemática e à Ciência um peso especial e
defendia que fossem aprendidas por todos. "Que cem homens medíocres façam
versos, cultivem a literatura e a língua, daí não resulta nada para
ninguém; mas que vinte se divirtam fazendo experiências e observações,
eles provavelmente acrescentarão alguma coisa à massa dos conhecimentos",
escreveu o pensador.
Condorcet planejou uma escolarização em graus. Cada cidade teria uma
escola de primeiro grau de quatro anos. Num primeiro momento, o segundo
grau ficaria a cargo de instituições em regiões-polo, que centralizariam o
atendimento. Já os poucos cursos superiores estariam nos centros mais
populosos. Conforme os professores se formassem e se criasse um bom
contingente, novas escolas seriam abertas, ampliando a oferta em cada
nível. "A ideia era promover a progressiva inclusão das gerações ao mundo
do conhecimento", diz Carlota Boto, da USP. "Condorcet chegava inclusive a
estabelecer cálculos para saber quantas crianças provavelmente chegariam a
galgar todos os degraus da instrução."
Biografia: gênio dos cálculos e político engajado
Marie-Jean-Antoine-Nicolas de Caritat, o marquês de Condorcet, nasceu em
1743 em Ribemont, Aisne, norte da França. Seu talento para a matemática
chamou a atenção quando era adolescente. Condorcet publicou um tratado
sobre cálculo integral e desenvolveu um método de contagem de votos
utilizado até hoje. Em 1774, integrou a equipe de conselheiros econômicos
de Luís XVI. Eleito em 1781 para a Assembléia Nacional, redigiu o projeto
para a instrução pública e um esboço de Constituição. Não foram adotados,
mas se tornaram modelos para democracias do futuro. Com a radicalização
política ocorrida na sequência da Revolução Francesa, Condorcet foi
acusado de traição por ter criticado um novo projeto constitucional.
Perseguido, escondeu-se por oito meses na casa de uma amiga, onde escreveu
Esboço de um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano.
Descoberto, foi levado à prisão em 1794, onde morreu misteriosamente dois
dias depois.
Os caminhos de
Condorcet
Condorcet foi um dos últimos iluministas, o grupo de pensadores franceses
que acreditava, acima de tudo, no poder do conhecimento. A origem do termo
iluminismo se refere justamente às "luzes" da razão que tirariam o homem
dos domínios da superstição e da ignorância. Grande parte dos filósofos
iluministas, Condorcet inclusive, esteve envolvida no projeto da
Enciclopédia (que continha ilustrações como esta, à esquerda) organizada
por Denis Diderot (1713-1784) e Jean D�Alembert (1717-1783) e que contou
também com a colaboração do suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ele e
Condorcet foram os principais pensadores da Educação do período. Nos
Estados Unidos, os fundadores da nação adotaram ideias muito semelhantes.
Um deles, Benjamin Franklin (1706-1790), foi correspondente do marquês,
com quem compartilhava o interesse pelas ciências.
A divisão de funções na época da industrialização na Europa preocupava
Condorcet, que via a Educação como um remédio para a estupidez que a
repetição de tarefas poderia gerar.
A ideia era a da fé no progresso do espírito humano. "Ele acreditava que o
presente tende a ser melhor do que o passado", diz Carlota Boto, da USP.
"Os iluministas chamavam isso de perfectibilidade, e a Educação era a
grande estratégia para alcançá-la."