ARISTÓTELES Filósofo grego via na escola o caminho para a vida pública e o
exercício da ética |
Mosaico
romano representa Alexandre em batalha: aluno rebelde de Aristóteles |
Aristóteles era um jovem estudante da Academia de Platão, em
Atenas, quando, em 359 a.C., Felipe II, da Macedônia, interveio militarmente
na Grécia. Uma tardia reação dos gregos foi sufocada quase 20 anos depois,
com a vitória de Felipe na batalha de Queronéia -
marcando o fim das cidades-estados na Grécia. Enquanto Aristóteles educava
Alexandre, filho de Felipe, tentava incutir no aluno os ideais dos heróis de
Homero e o dever de combater os povos considerados "bárbaros"
(todos aqueles que não eram gregos nem haviam recebido influência grega).
Embora Alexandre tenha mais tarde defendido a Grécia dos persas e Aristóteles
tenha gozado até o fim da vida de apoio material dos governantes macedônios,
o imperador não reteve muitos ensinamentos do mestre. Alexandre foi um tirano
dedicado à conquista de territórios pelas armas, princípios opostos à
autodeterminação democrática das cidades, defendida pelo filósofo. Com a
Grécia incorporada ao império de Alexandre, Atenas perdeu importância como
produtora de conhecimento, mas a cultura helenística ganhou centros de
difusão fundados pelo imperador, como Alexandria, no Egito.
Grande parte da extensa obra de Aristóteles se perdeu e o que
restou foi reorganizado (e talvez deturpado) por pensadores de outras épocas.
A obra aristotélica só voltou a circular na Europa na Idade Média, por
intermédio dos invasores árabes, que haviam preservado seus livros.
Biografia
Aristóteles
nasce em 384 a.C. em Estagira, na Macedônia (então
sob influência grega e onde o grego era a língua predominante), filho de um
médico. Aos 17 anos ele é enviado à Academia de Platão, em Atenas, onde
estuda e produz filosofia durante 20 anos - parte de sua obra no período tem
o objetivo de atacar a escola rival, de Isócrates,
segundo a qual a finalidade do ensino era levar os alunos a dominar a
retórica para serem capazes de defender qualquer ponto de vista, dependendo
do interesse.
Na
Academia, a finalidade da educação era alcançar a sabedoria. Com a morte de
Platão, em 347 a.C., Aristóteles muda-se para Assos,
na atual Turquia, possivelmente decepcionado por não ter sido escolhido para
substituir o mestre na direção da Academia.
Em
343 a.C., é chamado por Felipe II, da Macedônia, para educar seu filho,
Alexandre, e permanece na função durante vários anos, até que o pupilo começa
a conquistar um vasto império (que incluía a Grécia, anexada por seu pai). De
volta a Atenas, Aristóteles funda a própria escola, o Liceu, desenvolvendo
uma obra marcadamente antiplatônica.
Depois
da morte de Alexandre, Aristóteles passa a ser perseguido por ter colaborado
na educação do imperador macedônio. Refugia-se em Calcis,
onde morre em 322 a.C.
"O fim da arte e da educação é substituir a
natureza e completar aquilo que ela apenas começou"
Para pensar
Aristóteles
acreditava que educar para a virtude era também um modo de educar para viver
bem - e isso queria dizer, entre outras coisas, viver uma vida prazerosa.
No
mundo atual, nem sempre se vê compatibilidade entre a virtude e o prazer.
Ainda assim, você acredita que seja possível desenvolver em seus alunos uma
consciência ética e, ao mesmo tempo, a capacidade de apreciar as coisas boas
da vida?
"Onde quer que se descuide da educação, o Estado
sofre um golpe nocivo"
Este grande filósofo grego, filho
de Nicômaco, médico de Amintas, rei da Macedônia, nasceu em Estagira, colônia
grega da Trácia, no litoral setentrional do mar Egeu, em 384 a.C. Aos dezoito
anos, em 367, foi para Atenas e ingressou na academia platônica, onde ficou
por vinte anos, até à morte do Mestre. Nesse período estudou também os
filósofos pré-platônicos, que lhe foram úteis na construção do seu grande
sistema.
Em 343 foi convidado pelo Rei
Filipe para a corte de Macedônia, como preceptor do Príncipe Alexandre, então
jovem de treze anos. Aí ficou três anos, até à famosa expedição asiática,
conseguindo um êxito na sua missão educativo-política, que Platão não
conseguiu, por certo, em Siracusa. De volta a Atenas, em 335, treze anos
depois da morte de Platão, Aristóteles fundava, perto do templo de Apolo
Lício, a sua escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola, também
chamada peripatética
devido ao costume de dar lições, em amena palestra, passeando nos umbrosos
caminhos do ginásio de Apolo. Esta escola seria a grande rival e a verdadeira
herdeira da velha e gloriosa academia platônica. Morto Alexandre em 323,
desfez-se politicamente o seu grande império e despertaram-se em Atenas os
desejos de independência, estourando uma reação nacional, chefiada por
Demóstenes. Aristóteles, malvisto pelos atenienses, foi acusado de ateísmo.
Preveniu ele a condenação, retirando-se voluntariamente para Eubéia,
Aristóteles faleceu, após enfermidade, no ano seguinte, no verão de 322.
Tinha pouco mais de 60 anos de idade. A respeito docaráter de
Aristóteles, inteiramente recolhido na elaboração crítica do seu sistema
filosófico, sem se deixar distrair por motivos práticos ou sentimentais,
temos naturalmente muito menos a revelar do que em torno do caráter de
Platão, em que, ao contrário, os motivos políticos, éticos, estéticos e
místicos tiveram grande influência. Do diferente caráter dos dois filósofos,
dependem também as vicissitudes exteriores das duas vidas, mais uniforme e
linear a de Aristóteles, variada e romanesca a de Platão. Aristóteles foi
essencialmente um homem de cultura, de estudo, de pesquisas, de pensamento,
que se foi isolando da vida prática, social e política, para se dedicar à
investigação científica. A atividade literária de Aristóteles foi vasta e
intensa, como a sua cultura e seu gênio universal. "Assimilou
Aristóteles escreve magistralmente Leonel Franca todos os conhecimentos
anteriores e acrescentou-lhes o trabalho próprio, fruto de muita observação e
de profundas meditações. Escreveu sobre todas as ciências, constituindo
algumas desde os primeiros fundamentos, organizando outras em corpo coerente
de doutrinas e sobre todas espalhando as luzes de sua admirável inteligência.
Não lhe faltou nenhum dos dotes e requisitos que constituem o verdadeiro
filósofo: profundidade e firmeza de inteligência, agudeza de penetração,
vigor de raciocínio, poder admirável de síntese, faculdade de criação e
invenção aliados a uma vasta erudição histórica e universalidade de
conhecimentos científicos. O grande estagirita explorou o mundo do pensamento
em todas as suas direções. Pelo elenco dos principais escritos que dele ainda
nos restam, poder-se-á avaliar a sua prodigiosa atividade literária". A
primeira edição completa das obras de Aristóteles é a de Andronico de Rodes
pela metade do último século a.C. substancialmente autêntica, salvo uns
apócrifos e umas interpolações. Aqui classificamos as obras doutrinais de
Aristóteles do modo seguinte, tendo presente a edição de Andronico de Rodes.
II. Escritos sobre a física: abrangendo a
hodierna cosmologia e a antropologia, e pertencentes à filosofia teorética,
juntamente com a metafísica.
III. Escritos metafísicos: a Metafísica
famosa, em catorze livros. É uma compilação feita depois da morte de
Aristóteles mediante seus apontamentos manuscritos, referentes à metafísica
geral e à teologia. O nome de metafísica é devido ao lugar que ela
ocupa na coleção de Andrônico, que a colocou depois da física.
IV. Escritos morais e políticos: a Ética a Nicômaco,
em dez livros, provavelmente publicada por Nicômaco, seu filho, ao qual é
dedicada; a Ética
a Eudemo, inacabada, refazimento da ética de Aristóteles, devido
a Eudemo; a Grande
Ética, compêndio das duas precedentes, em especial da segunda; a Política,
em oito livros, incompleta.
V. Escritos retóricos e poéticos: a Retórica,
em três livros; a Poética, em dois livros, que, no seu estado atual, é
apenas uma parte da obra de Aristóteles. As obras de Aristóteles as doutrinas
que nos restam - manifestam um grande rigor científico, sem enfeites míticos
ou poéticos, exposição e expressão breve e aguda, clara e ordenada, perfeição
maravilhosa da terminologia filosófica, de que foi ele o criador.
Segundo Aristóteles, a filosofia
é essencialmente teorética: deve decifrar o enigma do universo, em face do
qual a atitude inicial do espírito é o assombro do mistério. O seu problema
fundamental é o problema do ser, não o problema da vida. O objeto próprio da
filosofia, em que está a solução do seu problema, são as essências imutáveis
e a razão última das coisas, isto é, o universal e o necessário, as formas e
suas relações. Entretanto, as formas são imanentes na experiência, nos
indivíduos, de que constituem a essência. A filosofia aristotélica é,
portanto, conceptual como a de Platão mas parte da experiência; é dedutiva,
mas o ponto de partida da dedução é tirado - mediante o intelecto da
experiência. A filosofia, pois, segundo Aristóteles, dividir-se-ia em teorética,
prática
e poética,
abrangendo, destarte, todo o saber humano, racional. A teorética, por sua
vez, divide-se emfísica, matemática e filosofia primeira(metafísica e
teologia); a filosofia prática divide-se eméticae política; a poética em estética e
técnica.
Aristóteles é o criador da lógica, como ciência especial, sobre a base socrático-platônica;
é denominada por ele analítica e representa a metodologia científica. Trata
Aristóteles os problemas lógicos e gnosiológicos no conjunto daqueles
escritos que tomaram mais tarde o nome de Órganon. Limitar-nos-emos mais
especialmente aos problemas gerais da lógica de Aristóteles, porque aí está a
suagnosiologia.
Foi dito que, em geral, a ciência, a filosofia - conforme Aristóteles, bem
como segundo Platão - tem como objeto o universal e o necessário; pois não
pode haver ciência em torno do individual e do contingente, conhecidos
sensivelmente. Sob o ponto de vista metafísico, o objeto da ciência
aristotélica é aforma, como idéia era o objeto da ciência platônica. A
ciência platônica e aristotélica são, portanto, ambas objetivas, realistas:
tudo que se pode aprender precede a sensação e é independente dela. No
sentido estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular pelo
universal, explicação do condicionado mediante a condição, porquanto o
primeiro elemento depende do segundo. Também aqui se segue a ordem da
realidade, onde o fenômeno particular depende da lei universal e o efeito da
causa. Objeto essencial da lógica aristotélica é precisamente este processo
de derivação ideal, que corresponde a uma derivação real. A lógica
aristotélica, portanto, bem como a platônica, é essencialmente dedutiva,
demonstrativa, apodíctica. O seu processo característico, clássico, é o
silogismo. Os elementos primeiros, os princípios supremos, as verdades
evidentes, consoante Platão,
são fruto de uma visão imediata, intuição intelectual, em relação com a sua
doutrina do contato imediato da alma com as idéias - reminiscência. Segundo
Aristóteles, entretanto, de cujo sistema é banida toda forma de inatismo,
também os elementos primeiros do conhecimento - conceito e juízos - devem
ser, de um modo e de outro, tirados da experiência, da representação
sensível, cuja verdade imediata ele defende, porquanto os sentidos por si
nunca nos enganam. O erro começa de uma falsa elaboração dos dados dos
sentidos: a sensação, como o conceito, é sempre verdadeira. Por certo,
metafisicamente, ontologicamente, o universal, o necessário, o inteligível, é
anterior ao particular, ao contigente, ao sensível: mas, gnosiologicamente,
psicologicamente existe primeiro o particular, o contigente, o sensível, que
constituem precisamente o objeto próprio do nosso conhecimento sensível, que
é o nosso primeiro conhecimento. Assim sendo, compreende-se que Aristóteles,
ao lado e em conseqüência da doutrina de dedução, seja constrangido a
elaborar, na lógica, uma doutrina da indução. Por certo, ela não está
efetivamente acabada, mas pode-se integrar logicamente segundo o espírito
profundo da sua filosofia. Quanto aos elementos primeiros do conhecimento
racional, a saber, os conceitos, a coisa parece simples: a indução
nada mais é que a abstração do conceito, do inteligível, da representação
sensível, isto é, a "desindividualização" do universal do
particular, em que o universal é imanente. A formação do conceito é, a posteriori,
tirada da experiência. Quanto ao juízo, entretanto, em que unicamente temos
ou não temos a verdade, e que é o elemento constitutivo da ciência, a coisa
parece mais complicada. Como é que se formam os princípios da demonstração,
os juízos imediatamente evidentes, donde temos a ciência? Aristóteles
reconhece que é impossível uma indução completa, isto é, uma resenha de todos
os casos os fenômenos particulares para poder tirar com certeza absoluta leis
universais abrangendo todas as essências. Então só resta possível uma indução
incompleta, mas certíssima, no sentido de que os elementos do juízo os
conceitos são tirados da experiência, a posteriori, seu nexo, porém, é a priori,
analítico, colhido imediatamente pelo intelecto humano mediante a sua
evidência, necessidade objetiva.
Partindo como Platão do mesmo
problema acerca do valor objetivo dos conceitos, mas abandonando a solução do
mestre, Aristóteles constrói um sistema inteiramente original. Os caracteres
desta grande síntese são:
1. Observação fiel da natureza -
Platão, idealista, rejeitara a experiência como fonte de conhecimento certo.
Aristóteles, mais positivo, toma sempre o fato como ponto de partida de suas
teorias, buscando na realidade um apoio sólido às suas mais elevadas
especulações metafísicas.
2. Rigor no método -
Depois de estudas as leis do pensamento, o processo dedutivo e indutivo
aplica-os, com rara habilidade, em todas as suas obras, substituindo à
linguagem imaginosa e figurada de Platão, em estilo lapidar e conciso e
criando uma terminologia filosófica de precisão admirável. Pode considerar-se
como o autor da metodologia e tecnologia científicas. Geralmente, no estudo
de uma questão, Aristóteles procede por partes:
a) começa a definir-lhe o objeto;
b)passa a enumerar-lhes as soluções históricas;
c)propõe depois as dúvidas;
d) indica, em seguida, a própria solução;
e) refuta, por último, as sentenças
contrárias.
3. Unidade do conjunto - Sua vasta obra
filosófica constitui um verdadeiro sistema, uma verdadeira síntese.
Todas as partes se compõem, se correspondem, se confirmam.
Objeto próprio da teologia é
o primeiro motor imóvel, ato puro, o pensamento do pensamento, isto é, Deus,
a quem Aristóteles chega através de uma sólida demonstração, baseada sobre a
imediata experiência, indiscutível, realidade do vir-a-ser, da passagem da
potência ao ato. Este vir-a-ser, passagem da potência ao ato, requer
finalmente um não-vir-a-ser, motor imóvel, um motor já em ato, um ato puro
enfim, pois, de outra forma teria que ser movido por sua vez. A necessidade
deste primeiro motor imóvel não é absolutamente excluída pela eternidade do
vir-a-ser, do movimento, do mundo. Com efeito, mesmo admitindo que o mundo
seja eterno, isto é, que não tem princípio e fim no tempo, enquanto é
vir-a-ser, passagem da potência ao ato, fica eternamente inexplicável,
contraditório, sem um primeiro motor imóvel, origem extra-temporal, causa
absoluta, razão metafísica de todo devir. Deus, o real puro, é aquilo que
move sem ser movido; a matéria, o possível puro, é aquilo que é movido, sem
se mover a si mesmo.
Da análise do conceito de Deus,
concebido como primeiro motor imóvel, conquistado através do precedente
raciocínio, Aristóteles, pode deduzir logicamente a natureza
essencial de Deus, concebido, antes de tudo, como ato puro, e,
consequentemente, como pensamento de si mesmo. Deus é unicamente pensamento,
atividade teorética, no dizer de Aristóteles, enquanto qualquer outra
atividade teria fim extrínseco, incompatível com o ser perfeito,
auto-suficiente. Se o agir, o querer têm objeto diverso do sujeito agente e
"querente", Deus não pode agir e querer, mas unicamente conhecer e
pensar, conhecer a si próprio e pensar em si mesmo. Deus é, portanto, pensamento
de pensamento, pensamento de si, que é pensamento puro. E nesta
autocontemplação imutável e ativa, está a beatitude divina.
Se Deus é mera atividade teorética,
tendo como objeto unicamente a própria perfeição, não conhece o mundo
imperfeito, e menos ainda opera sobre ele. Deus não atua sobre o mundo,
voltando-se para ele, com o pensamento e a vontade; mas unicamente como o fim
último, atraente, isto é, como causa final, e, por conseqüência, e só assim,
como causa eficiente e formal (exemplar). De Deus depende a ordem, a vida, a
racionalidade do mundo; ele, porém, não é criador, nem providência do mundo.
Em Aristóteles o pensamento grego conquista logicamente a transcendência de
Deus; mas, no mesmo tempo, permanece o dualismo, que vem anular aquele mesmo
Absoluto a que logicamente chegara, para dar uma explicação filosófica da
relatividade do mundo pondo ao seu lado esta realidade independente dele.
Aristóteles trata da moral em
três Éticas,
de que se falou quando das obras dele. Consoante sua doutrina metafísica
fundamental, todo ser tende necessariamente à realização da sua natureza, à
atualização plena da sua forma: e nisto está o seu fim, o seu bem, a sua
felicidade, e, por conseqüência, a sua lei. Visto ser a razão a essência
característica do homem, realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente e
senso disto consciente. E assim consegue ele a felicidade e a virtude, isto
é, consegue a felicidade mediante a virtude, que é precisamente uma atividade
conforme à razão, isto é, uma atividade que pressupõe o conhecimento
racional. Logo, o fim do homem é a felicidade, a que é necessária à virtude,
e a esta é necessária a razão. A característica fundamental da moral
aristotélica é, portanto, o racionalismo, visto ser a virtude ação consciente segundo
a razão, que exige o conhecimento absoluto, metafísico, da natureza e do
universo, natureza segundo a qual e na qual o homem deve operar.
As virtudes éticas, morais, não são
mera atividade racional, como as virtudes intelectuais, teoréticas; mas
implicam, por natureza, um elemento sentimental, afetivo, passional, que deve
ser governado pela razão, e não pode, todavia, ser completamente resolvido na
razão. A razão aristotélica governa, domina as paixões, não as aniquila e
destrói, como queria o ascetismo platônico. A virtude ética não é, pois,
razão pura, mas uma aplicação da razão; não é unicamente ciência, mas uma
ação com ciência.
Uma doutrina aristotélica a
respeito da virtude doutrina que teve muita doutrina prática, popular, embora
se apresente especulativamente assaz discutível é aquela pela qual a virtude
é precisamente concebida como um justo meio entre dois extremos, isto
é, entre duas paixões opostas: porquanto o sentido poderia esmagar a razão ou
não lhe dar forças suficientes. Naturalmente, este justo meio, na ação de um
homem, não é abstrato, igual para todos e sempre; mas concreto, relativo a
cada qual, e variável conforme as circunstâncias, as diversas paixões
predominantes dos vários indivíduos.
Pelo que diz respeito à virtude,
tem, ao contrário, certamente, maior valor uma outra doutrina aristotélica:
precisamente a da virtude concebida como hábito racional. Se a virtude é,
fundamentalmente, uma atividade segundo a razão, mais precisamente é ela um
hábito segundo a razão, um costume moral, uma disposição constante, reta, da
vontade, isto é, a virtude não é inata, como não é inata a ciência; mas
adquiri-se mediante a ação, a prática, o exercício e, uma vez adquirida,
estabiliza-se, mecaniza-se; torna-se quase uma segunda natureza e, logo,
torna-se de fácil execução - como o vício.
Como já foi mencionado, Aristóteles
distingue duas categorias fundamentais de virtudes: as éticas,
que constituem propriamente o objeto da moral, e as dianoéticas,
que a transcendem. É uma distinção e uma hierarquia, que têm uma importância
essencial em relação a toda a filosofia e especialmente à moral. As virtudes
intelectuais, teoréticas, contemplativas, são superiores às virtudes éticas,
práticas, ativas. Noutras palavras, Aristóteles sustenta o primado do
conhecimento, do intelecto, da filosofia, sobre a ação, a vontade, a
política.
A política aristotélica é
essencialmente unida à moral, porque o fim último do estado é a virtude, isto
é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso.
O estado é um organismo moral, condição e complemento da atividade moral
individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa. A
política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objetivo o
indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a
política é a doutrina moral social. Desta ciência trata Aristóteles
precisamente na Política, de que acima se falou.
O estado, então, é superior ao
indivíduo, porquanto a coletividade é superior ao indivíduo, o bem comum
superior ao bem particular. Unicamente no estado efetua-se a satisfação de
todas as necessidades, pois o homem, sendo naturalmente animal social,
político, não pode realizar a sua perfeição sem a sociedade do estado.
Visto que o estado se compõe de uma
comunidade de famílias, assim como estas se compõem de muitos indivíduos,
antes de tratar propriamente do estado será mister falar da família, que
precede cronologicamente o estado, como as partes precedem o todo. Segundo
Aristóteles, a família compõe-se de quatro elementos: os filhos, a
mulher, os bens, os escravos; além, naturalmente, do chefe a que pertence a
direção da família. Deve ele guiar os filhos e as mulheres, em razão da
imperfeição destes. Deve fazer frutificar seus bens, porquanto a família,
além de um fim educativo, tem também um fim econômico. E, como ao estado,
é-lhe essencial a propriedade, pois os homens têm necessidades materiais. No
entanto, para que a propriedade seja produtora, são necessários instrumentos
inanimados e animados; estes últimos seriam os escravos.
Aristóteles não nega a natureza
humana ao escravo; mas constata que na sociedade são necessários também os
trabalhos materiais, que exigem indivíduos particulares, a que fica assim
tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma, visto
ser necessário, para tanto, tempo e liberdade, bem como aptas qualidades
espirituais, excluídas pelas próprias características qualidades materiais de
tais indivíduos. Daí a escravidão.
Vejamos, agora, o estadoem
particular. O estado surge, pelo fato de ser o homem um animal naturalmente
social, político. O estado provê, inicialmente, a satisfação daquelas
necessidades materiais, negativas e positivas, defesa e segurança,
conservação e engrandecimento, de outro modo irrealizáveis. Mas o seu fim
essencial é espiritual, isto é, deve promover a virtude e, conseqüentemente,
a felicidade dos súditos mediante a ciência.
Compreende-se, então, como seja
tarefa essencial do estado a educação, que deve desenvolver harmônica e
hierarquicamente todas as faculdades: antes de tudo as espirituais,
intelectuais e, subordinadamente, as materiais, físicas. O fim da educação é
formar homens mediante as artes liberais, importantíssimas a poesia e a
música, e não máquinas, mediante um treinamento profissional. Eis porque
Aristóteles, como Platão, condena o estado que, ao invés de se preocupar com
uma pacífica educação científica e moral, visa a conquista e a guerra. E
critica, dessa forma, a educação militar de Esparta, que faz da guerra a
tarefa precípua do estado, e põe a conquista acima da virtude, enquanto a
guerra, como o trabalho, são apenas meios para a paz e o lazer sapiente.
Não obstante a sua concepção ética
do estado, Aristóteles, diversamente de Platão, salva o direito privado, a
propriedade particular e a família. O comunismo como resolução total dos
indivíduos e dos valores no estado é fantástico e irrealizável. O estado não
é uma unidade substancial, e sim uma síntese de indivíduos substancialmente
distintos. Se se quiser a unidade absoluta, será mister reduzir o estado à
família e a família ao indivíduo; só este último possui aquela unidade
substancial que falta aos dois precedentes. Reconhece Aristóteles a divisão
platônica das castas, e, precisamente, duas classes reconhece: a dos homens
livres, possuidores, isto é, a dos cidadãos e a dos escravos, dos
trabalhadores, sem direitos políticos.
Quanto à forma exterior do estado,
Aristóteles distingue três principais: a monarquia, que é o governo de um só,
cujo caráter e valor estão na unidade, e cuja degeneração é a tirania; a aristocracia,
que é o governo de poucos, cujo caráter e valor estão na qualidade, e cuja
degeneração é a oligarquia; a democracia, que é o governo de
muitos, cujo caráter e valor estão na liberdade, e cuja degeneração é a
demagogia. As preferências de Aristóteles vão para uma forma de república
democrático-intelectual, a forma de governo clássica da Grécia,
particularmente de Atenas. No entanto, com o seu profundo realismo, reconhece
Aristóteles que a melhor forma de governo não é abstrata, e sim concreta:
deve ser relativa, acomodada às situações históricas, às circunstâncias de um
determinado povo. De qualquer maneira a condição indispensável para uma boa
constituição, é que o fim da atividade estatal deve ser o bem comum e não a
vantagem de quem governa despoticamente.
Com Aristóteles afirma-se o teísmo
do ato puro. No entanto, este Deus, pelo seu efetivo isolamento do mundo, que
ele não conhece, não cria, não governa, não está em condições de se tornar
objeto de religião,
mais do que as transcendentes idéias platônicas. E não fica nenhum outro
objeto religioso. Também Aristóteles, como Platão, se exclui filosoficamente
o antropomorfismo, não exclui uma espécie de politeísmo, e admite, ao lado do
Ato Puro e a ele subordinado, os deuses astrais, isto é, admite que os corpos
celestes são animados por espíritos racionais. Entretanto, esses seres
divinos não parecem e não podem ter função religiosa e sem física.
Não obstante esta concepção
filosófica da divindade, Aristóteles admite a religião positiva do povo, até
sem correção alguma. Explica e justifica a religião positiva, tradicional,
mítica, como obra política para moralizar o povo, e como fruto da tendência
humana para as representações antropomórficas; e não diz que ela teria um
fundamento racional na verdade filosófica da existência da divindade, a que o
homem se teria facilmente elevado através do espetáculo da ordem celeste.
Aristóteles como Platão considera a
arte
como imitação, de conformidade com o fundamental realismo grego. Não, porém,
imitação de uma imitação, como é o fenômeno, o sensível, platônicos; e sim
imitação direta da própria idéia, do inteligível imanente no sensível,
imitação da forma imanente na matéria. Na arte, esse inteligível, universal é
encarnado, concretizado num sensível, num particular e, destarte, tornando
intuitivo, graças ao artista. Por isso, Aristóteles considera a arte a poesia
de Homero que tem por conteúdo o universal, o imutável, ainda que encarnado
fantasticamente num particular, como superior à história e mais filosófica do
que a história de Heródoto que tem como objeto o particular, o mutável, seja
embora real. O objeto da arte não é o que aconteceu uma vez como é o caso da
história , mas o que por natureza deve, necessária e universalmente, acontecer.
Deste seu conteúdo inteligível, universal, depende a eficácia espiritual
pedagógica, purificadora da arte.
Se bem que a arte seja imitação da
realidade no seu elemento essencial, a forma, o inteligível, este inteligível
recebe como que uma nova vida através da fantasia criadora do artista, isto
precisamente porque o inteligível, o universal, deve ser encarnado,
concretizado pelo artista num sensível, num particular. As leis da obra de
arte serão, portanto, além de imitação do universal verossimilhança e
necessidade coerência interior dos elementos da representação artística,
íntimo sentimento do conteúdo, evidência e vivacidade de expressão. A arte é,
pois, produção mediante a imitação; e a diferença entre as várias artes é estabelecida
com base no objeto ou no instrumento de tal imitação.
A metafísica aristotélica é
"a ciência do ser como ser, ou dos princípios e das causas do ser e de
seus atributos essenciais". Ela abrange ainda o ser imóvel e incorpóreo,
princípio dos movimentos e das formas do mundo, bem como o mundo mutável e
material, mas em seus aspectos universais e necessários. Exporemos portanto,
antes de tudo, as questões gerais da metafísica, para depois chegarmos àquela
que foi chamada, mais tarde, metafísica especial; tem esta como objeto o
mundo que vem-a-ser - natureza e homem - e culmina no que não pode vir-a-ser,
isto é, Deus. Podem-se reduzir fundamentalmente a quatro as questões gerais
da metafísica aristotélica: potência e ato, matéria e forma, particular e
universal, movido e motor. A primeira e a última abraçam todo o ser, a
segunda e a terceira todo o ser em que está presente a matéria.
I. A doutrina da potência e do ato
é fundamental na metafísica aristotélica: potência significa possibilidade,
capacidade de ser, não-ser atual; e ato significa realidade, perfeição, ser
efetivo. Todo ser, que não seja o Ser perfeitíssimo, é portanto uma síntese -
um sínolo
- de potência e de ato, em diversas proporções, conforme o grau de perfeição,
de realidade dos vários seres. Um ser desenvolve-se, aperfeiçoa-se, passando
da potência ao ato; esta passagem da potência ao ato é atualização de uma
possibilidade, de uma potencialidade anterior. Esta doutrina fundamental da
potência e do ato é aplicada - e desenvolvida - por Aristóteles especialmente
quando da doutrina da matéria e da forma, que representam a potência e o ato
no mundo, na natureza em que vivemos. Desta doutrina da matéria e da forma,
vamos logo falar.
II. Aristóteles não nega o vir-a-ser de
Heráclito, nem o ser de Parmênides, mas une-os em uma síntese conclusiva, já
iniciada pelos últimos pré-socráticos e grandemente aperfeiçoada por
Demócrito e Platão. Segundo Aristóteles, a mudança, que é intuitiva,
pressupõe uma realidade imutável, que é de duas espécies. Um substrato comum,
elemento imutável da mudança, em que a mudança se realiza; e as determinações
que se realizam neste substrato, a essência, a natureza que ele assume. O
primeiro elemento é chamado matéria (prima), o segundo forma (substancial). O
primeiro é potência, possibilidade de assumir várias formas, imperfeição; o
segundo é atualidade - realizadora, especificadora da matéria - , perfeição.
A síntese - o sinolo
- da matéria e da forma constitui a substância, e esta, por sua vez, é o substrato
imutável, em que se sucedem os acidentes, as qualidades acidentais. A
mudança, portanto, consiste ou na sucessão de várias formas na mesma
essência, forma concretizada da matéria, que constitui precisamente a
substância.
A matéria sem forma, a pura matéria,
chamada matéria-prima, é um mero possível, não existe por si, é um
absolutamente interminado, em que a forma introduz as determinações. A
matéria aristotélica, porém, não é o puro não-ser de Platão, mero princípio
de decadência, pois ela é também condição indispensável para concretizar a
forma, ingrediente necessário para a existência da realidade material, causa
concomitante de todos os seres reais.
Então não existe, propriamente, a
forma sem a matéria, ainda que a forma seja princípio de atuação e
determinação da própria matéria. Com respeito à matéria, a forma é, portanto,
princípio de ordem e finalidade, racional, inteligível. Diversamente da idéia
platônica, a forma aristotélica não é separada da matéria, e sim imanente e
operante nela. Ao contrário, as formas aristotélicas são universais,
imutáveis, eternas, como as idéias platônicas.
Os elementos constitutivos da
realidade são, portanto, a forma e a matéria. A realidade, porém, é composta
de indivíduos, substâncias, que são uma síntese - umsínolo -
de matéria e forma. Por conseqüência, estes dois princípios não são
suficientes para explicar o surgir dos indivíduos e das substâncias que não
podem ser atuados - bem como a matéria não pode ser atuada - a não ser por um
outro indivíduo, isto é, por uma substância em ato. Daí a necessidade de um
terceiro princípio, a causa eficiente, para poder explicar a realidade efetiva
das coisas. A causa eficiente, por sua vez, deve operar para um fim, que é
precisamente a síntese da forma e da matéria, produzindo esta síntese o
indivíduo. Daí uma quarta causa, a causa final, que dirige a causa
eficiente para a atualização da matéria mediante a forma.
III. Mediante a doutrina da matéria e da
forma, Aristóteles explica o indivíduo, a substância física, a única realidade
efetiva no mundo, que é precisamente síntese - sínolo - de matéria e de
forma. A essência - igual em todos os indivíduos de uma mesma espécie -
deriva da forma; a individualidade, pela qual toda substância é original e se
diferencia de todas as demais, depende da matéria. O indivíduo é, portanto,
potência realizada, matéria enformada, universal particularizado. Mediante
esta doutrina é explicado o problema do universal e do particular,
que tanto atormenta Platão; Aristóteles faz o primeiro - a idéia - imanente
no segundo - a matéria, depois de ter eficazmente criticado o dualismo
platônico, que fazia os dois elementos transcendentes e exteriores um ao
outro.
IV. Da relação entre a potência e o ato,
entre a matéria e a forma, surge o movimento, a mudança, o vir-a-ser, a que é
submetido tudo que tem matéria, potência. A mudança é, portanto, a realização
do possível. Esta realização do possível, porém, pode ser levada a efeito
unicamente por um ser que já está em ato, que possui já o que a coisa movida
deve vir-a-ser, visto ser impossível que o menos produza o mais, o imperfeito
o perfeito, a potência o ato, mas vice-versa. Mesmo que um ser se mova a si
mesmo, aquilo que move deve ser diverso daquilo que é movido, deve ser
composto de um motor e de uma coisa movida. Por exemplo, a alma é que move o
corpo. O motor pode ser unicamente ato, forma; a coisa movida - enquanto tal
- pode ser unicamente potência, matéria. Eis a grande doutrina aristotélica
do motor e
da coisa
movida, doutrina que culmina no motor primeiro, absolutamente
imóvel, ato puro, isto é, Deus.
Objeto geral da psicologia
aristotélica é o mundo animado, isto é, vivente, que tem por princípio a alma
e se distingue essencialmente do mundo inorgânico, pois, o ser vivo
diversamente do ser inorgânico possui internamente o princípio da sua
atividade, que é precisamente a alma, forma do corpo. A característica
essencial e diferencial da vida e da planta, que tem por princípio a alma vegetativa,
é a nutrição e a reprodução. A característica da vida animal, que tem por
princípio a alma
sensitiva, é precisamente a sensibilidade e a locomoção. Enfim, a
característica da vida do homem, que tem por princípio a alma racional,
é o pensamento. Todas estas três almas são objeto da psicologia aristotélica.
Aqui nos limitamos à psicologia racional, que tem por objeto específico o
homem, visto que a alma racional cumpre no homem também as funções da vida
sensitiva e vegetativa; e, em geral, o princípio superior cumpre as funções
do princípio inferior. De sorte que, segundo Aristóteles diversamente de
Platão todo ser vivo tem uma só alma, ainda que haja nele funções diversas
faculdades diversas porquanto se dão atos diversos. E assim, conforme
Aristóteles, diversamente de Platão, o corpo humano não é obstáculo, mas
instrumento da alma racional, que é a forma do corpo.
O homem é uma unidade substancial
de alma e de corpo, em que a primeira cumpre as funções de forma em relação à
matéria, que é constituída pelo segundo. O que caracteriza a alma humana é a
racionalidade, a inteligência, o pensamento, pelo que ela é espírito. Mas a
alma humana desempenha também as funções da alma sensitiva e vegetativa,
sendo superior a estas. Assim, a alma humana, sendo embora uma e única, tem
várias faculdades, funções, porquanto se manifesta efetivamente com atos
diversos. As faculdades fundamentais do espírito humano são duas: teorética e
prática, cognoscitiva e operativa, contemplativa e ativa. Cada uma destas,
pois, se desdobra em dois graus, sensitivo e intelectivo, se se tiver
presente que o homem é um animal racional, quer dizer, não é um espírito
puro, mas um espírito que anima um corpo animal.
O conhecimento sensível,
a sensação, pressupões um fato físico, a saber, a ação do objeto sensível
sobre o órgão que sente, imediata ou à distância, através do movimento de um
meio. Mas o fato físico transforma-se num fato psíquico, isto é, na sensação
propriamente dita, em virtude da específica faculdade e atividade sensitivas
da alma. O sentido recebe as qualidades materiais sem a matéria delas, como a
cera recebe a impressão do selo sem a sua matéria. A sensação embora limitada
é objetiva, sempre verdadeira com respeito ao próprio objeto; a falsidade, ou
a possibilidade da falsidade, começa com a síntese, com o juízo. O sensível próprio é
percebido por um só sentido, isto é, as sensações específicas são percebidas,
respectivamente, pelos vários sentidos; o sensível comum, as
qualidades gerais das coisas tamanho, figura, repouso, movimento, etc. são
percebidas por mais sentidos. O senso comum é uma faculdade interna, tendo
a função de coordenar, unificar as várias sensações isoladas, que a ele
confluem, e se tornam, por isso, representações, percepções.
Acima do conhecimento sensível está
o conhecimento
inteligível, especificamente diverso do primeiro. Aristóteles
aceita a essencial distinção platônica entre sensação e pensamento, ainda que
rejeite o inatismo platônico, contrapondo-lhe a concepção do intelecto como tabula rasa,
sem idéias inatas. Objeto do sentido é o particular, o contingente, o
mutável, o material. Objeto do intelecto é o universal, o necessário, o
imutável, o imaterial, as essências, as formas das coisas e os princípios
primeiros do ser, o ser absoluto. Por conseqüência, a alma humana, conhecendo
o imaterial, deve ser espiritual e, quanto a tal, deve ser imperecível.
Analogamente às atividades
teoréticas, duas são as atividades práticas da alma: apetite e vontade. O apetite é
a tendência guiada pelo conhecimento sensível, e é próprio da alma animal.
Esse apetite é concebido precisamente como sendo um movimento finalista,
dependente do sentimento, que, por sua vez depende do conhecimento sensível.
A vontade
é o impulso, o apetite guiado pela razão, e é própria da alma racional. Como
se vê, segundo Aristóteles, a atividade fundamental da alma é teorética,
cognoscitiva, e dessa depende a prática, ativa, no grau sensível bem como no
grau inteligível.
Uma questão geral da física
aristotélica, como filosofia da natureza, é a análise dos vários tipos de movimento,
mudança, que já sabemos ser passagem da potência ao ato, realização de uma
possibilidade. Aristóteles distingue quatro espécies de movimentos:
1. Movimento substancial - mudança de
forma, nascimento e morte;
2. Movimento qualitativo - mudança de
propriedade;
3. Movimento quantitativo - acrescimento
e diminuição;
4. Movimento espacial - mudança de
lugar, condicionando todas as demais espécies de mudança.
Outra especial e importantíssima
questão da física aristotélica é a concernente ao espaço e ao tempo, em torno
dos quais fez ele investigações profundas. O espaço é definido como sendo
o limite do corpo, isto é, o limite imóvel do corpo "circundante"
com respeito ao corpo circundado. O tempo é definido como sendo o número
- isto é, a medida - do movimento segundo a razão, o aspecto, do
"antes" e do "depois". Admitidas as precedentes
concepções de espaço e de tempo - como sendo relações de substâncias, de
fenômenos - é evidente que fora do mundo não há espaço nem tempo: espaço e
tempo vazios são impensáveis.
Uma terceira questão fundamental da
filosofia natural de Aristóteles é a concernente ao teleologismo - finalismo
- por ele propugnado com base na finalidade, que ele descortina em a
natureza. "A natureza faz, enquanto possível, sempre o que é mais
belo". Fim de todo devir é o desenvolvimento da potência ao ato, a
realização da forma na matéria.
Quanto às ciências químicas,
físicas e especialmente astronômicas, as doutrinas aristotélicas têm apenas
um valor histórico, e são logicamente separáveis da sua filosofia, que tem um
valor teorético. Especialmente célebre é a sua doutrina astronômica
geocêntrica, que prestará a estrutura física à Divina Comédia de Dante
Alighieri.
É difícil aquilatar em sua justa
medida o valor de Aristóteles. A influência intelectual por ele até hoje
exercida sobre o pensamento humano e à qual se não pode comparar a de nenhum
outro pensador dá-nos, porém, uma idéia da envergadura de seu gênio
excepcional. Criador da lógica, autor do primeiro tratado de psicologia
científica, primeiro escritor da história da filosofia, patriarca das
ciências naturais, metafísico, moralista, político, ele é o verdadeiro
fundador da ciência moderna e "ainda hoje está presente com sua
linguagem científica não somente às nossas cogitações, senão também à
expressão dos sentimentos e das idéias na vida comum e habitual".
Nem por isso podemos deixar de
apontar as lacunas do seu sistema. Sua moral, sem obrigação nem sanção, é
defeituosa e mais gravemente defeituosa ainda que a teodicéia, sobretudo na
parte que trata das relações de Deus com o mundo. O dualismo primitivo e
irredutível entre Deus, ato puro, e a matéria, princípio potencial, é, na
própria teoria aristotélica, uma verdadeira contradição e deixa subsistir,
como enigma insolúvel e inexplicável, a existência dos seres fora de Deus.
Com Sócrates entre a filosofia em seu caminho definitivo. O problema do objeto e da possibilidade da ciência é posto em seus verdadeiros termos e resolvido, nas suas linhas gerais, pela doutrina do conceito.Platão dá um passo além, procurando determinar a relação entre o conceito e a realidade, mas encalha, dum lado, nas dificuldades insolúveis de um realismo exagerado; de outro, nas extravagâncias dum idealismo extremo. Aristóteles, com o seu espírito positivo e observador, retoma o mesmo problema no pé em que o pusera Platão e dá-lhe, pela teoria da abstração e da inteligência ativa, uma solução satisfatória e definitiva nos grandes lineamentos. Em torno desta questão fundamental, que entende com a metafísica, a psicologia e a lógica, se vão desenvolvendo harmoniosamente as outras partes da filosofia até constituírem em Aristóteles esta grandiosa síntese do saber universal, o mais precioso legado da civilização grega que declinava à civilização ocidental que surgia.
Quer saber mais?
Aristóteles e a Educação, Antoine Hourdakis, 152 págs., Ed. Loyola, tel. (11) 6914-1922.
Ética a Nicômaco, Aristóteles, 240 págs., Ed. Martin Claret, tel. (11) 3672-8144.
Ética e Política em Aristóteles, Solange Vergnières, 304 págs., Ed. Paulus, tel. (11) 5084-3066.
A Política, Aristóteles, 348 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677.