SANTO AGOSTINHO Filósofo afirmava que o homem só tem acesso ao conhecimento quando iluminado por Deus Embora tenha vivido nos últimos anos da Idade
Antiga - que se encerrou com a queda do Império Romano, no ano de 476 -,
Santo Agostinho (354-430) foi o mais influente pensador ocidental dos
primeiros séculos da Idade Média (476-1453). A ele se deveu a criação de uma
filosofia que, pela primeira vez, deu suporte racional ao cristianismo. Com o
pensamento de Santo Agostinho, o cristianismo ganhou substância doutrinária
para orientar a educação, numa época em que a cultura helenística (baseada no
pensamento grego) havia entrado em decadência e a nova religião conquistava
cada vez mais seguidores, embora se fundamentasse quase que exclusivamente na
fé e na difusão espontânea. Outros pensadores já haviam se dedicado à revisão
da cultura clássica (greco-romana) para adaptá-la aos novos tempos. Havia
nisso algo de estratégico, já que o paganismo ainda continuava vivo na Europa
e em regiões vizinhas. Era uma forma de mostrar aos indecisos que a conversão
ao cristianismo não seria incompatível com maneiras de viver e de pensar a
que estavam acostumados. Entre os pensadores gregos, o que mais se prestava à
construção de uma filosofia cristã era Platão (427-347 a. C.), e a escola de
pensamento hegemônica nos primeiros séculos da Idade Média ficou conhecida
como neoplatonismo. Na Idade Média, ensinar era
catequizar À medida que a Igreja se tornava a instituição
mais poderosa do Ocidente, a filosofia de Santo Agostinho definia a cultura
da época. Educação e catequese praticamente se equivaliam - as escolas eram
orientadas para a formação de membros do clero, ficando em segundo plano a
transmissão dos conteúdos tradicionais. O conhecimento tinha lugar central na
filosofia de Santo Agostinho, mas ele se confundia com a fé. Diante disso, a
educação daquela época - conhecida como patrística,
em referência aos padres que a ministravam - estimulava acima de tudo a
obediência aos mestres, a resignação e a humildade
diante do desconhecido. O objetivo era treinar o controle das paixões para
merecer a salvação numa suposta vida após a morte. Não é por acaso que a obra principal de Santo
Agostinho seja Confissões, em que narra a própria
conversão ao cristianismo depois de uma vida em pecado. Trata-se de uma
trajetória de redefinição de si mesmo à luz de Deus, culminando com a
redenção. O livro descreve a busca de salvação, ao mesmo tempo psicológica e
filosófica, que se transformaria numa espécie de paradigma da vida terrena
para os cristãos e vigoraria durante séculos. Toda a reflexão de Santo Agostinho parte da
indagação sobre o conhecimento, introduzindo a razão, o pensamento e os
sentidos humanos no debate teológico. Segundo o filósofo, os sentidos nunca
se enganam e portanto o que eles captam é, para o ser humano, a verdade.
Dizer que essa verdade constitui a verdade do mundo, no entanto, pode ser um
erro. O início da era cristã
Santo Agostinho
presenciou a decadência do Império Romano. No ano de 312, pouco mais de
quatro décadas antes de seu nascimento, o imperador Constantino havia
oficializado o cristianismo em toda a região sob seu domínio - que sofria
ataques contínuos dos povos bárbaros. Um ano antes da morte de Agostinho, em
430, os vândalos haviam invadido sua região natal, na África.
A queda do
império romano aconteceria 36 anos depois da morte do filósofo, com a
deposição do último monarca pelos germânicos. Os quase mil anos seguintes
seriam englobados pelos historiadores no período da Idade Média, que tem
entre suas características principais o domínio da Igreja Católica sobre
quase todas as atividades humanas. A filosofia de Santo Agostinho domina a
primeira fase da Idade Média (mais ou menos até o século 11), marcada por
guerras constantes, decadência das cidades, pulverização do poder político e
internacionalização da cultura por meio da Igreja. É uma época em que a
educação é eminentemente religiosa e a ciência avança pouco e se difunde menos
ainda. Para o filósofo, a verdade vem de
Deus O pensamento não se confunde com o mundo material
- ele é simultaneamente a essência do ser humano e a fonte dos erros que
podem afastá-lo da verdade. O conhecimento seria a capacidade de concluir
verdades imutáveis por meio dos processos mentais. Um exemplo de verdade
imutável seriam as regras matemáticas. Como o homem é inconstante e sujeito
ao erro, uma verdade imutável não pode provir dele mesmo, mas de Deus, que é
a própria perfeição. Assim, o ser humano tem pensamento autônomo e acesso à
verdade eterna, mas depende, para isso, de iluminação divina. Se o bem vem de Deus, o mal se origina da
ausência do bem e só pode ser atribuído ao homem, por conduzir mal as
próprias vontades. Se o fizesse de modo correto, chegaria à iluminação. A
ausência do bem se deve também a uma quase irresistível inclinação do ser
humano para o pecado, ao fazer prevalecer o corpo sobre a alma. Santo Agostinho tratou o tema da educação mais de
perto em duas obras, De Doctrina
Christiana e De Magistro,
na qual apresenta a doutrina do mestre interior. A idéia é que o professor
não ensina sozinho, mas depende também do aluno e, sobretudo, de uma verdade
comum aos dois. Simplificando, o professor mostra o caminho e o aluno o
adota; assim, o saber brota de seu interior. "A pessoa que ensina não
transmite, mas desperta", diz Eliane Marta Teixeira Lopes, professora da
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. "Para
Santo Agostinho, é desse modo que se conquista a paz da alma, que é o
objetivo final da educação."
Escola com disciplina
military
Se Santo
Agostinho foi a primeira grande força intelectual de uma era em que a Igreja
de Roma exerceu o poder cultural máximo, a ordem dos jesuítas pode ser
considerada a última. A Companhia de Jesus surgiu no início do século 16 na
Espanha, criada por um militar, Inácio de Loyola (1491-1556), depois Santo
Inácio. Representou, na educação, a linha de frente na guerra da Igreja
contra a reforma protestante do alemão Martinho Lutero. Como os agostinianistas, os jesuítas valorizavam a disciplina e a
obediência e promoviam o sacrifício da liberdade de pensamento em benefício
do temor a Deus. Diferentemente de Santo Agostinho, porém, os jesuítas
favoreciam a erudição e o elitismo. Integravam um movimento conservador,
derrotado a partir do século 17, com a ascensão do racionalismo, na
filosofia, e as revoltas contra o absolutismo, na política. Os jesuítas -
criadores de métodos de ensino tradicionalistas mas muito eficientes -
têm grande importância na história das colônias européias da América, entre
elas o Brasil, porque construíram as primeiras estruturas educativas do
continente. Biografia
Aurelius Augustinus, que passaria para a história como Santo
Agostinho, nasceu em 354, em Tagaste (hoje Souk Ahras, Argélia, norte da
África), sob o domínio romano. Embora sua mãe, Mônica (que seria canonizada),
fosse cristã, Agostinho não se interessou, quando jovem, por religião.
Sentia-se atraído pela filosofia romana. Antes dos 20 anos já tinha um filho,
nascido de uma relação não formalizada. Pouco tempo depois, abriu uma escola
na sua cidade natal. Tornou-se professor de retórica, lecionando depois em
Cartago, Roma e Milão. Nesta cidade, tomou contato com o neoplatonismo
e, aos 32 anos, converteu-se ao cristianismo. De volta a Tagaste,
decidido a observar a castidade e a austeridade, vendeu as propriedades que
herdara dos pais e fundou uma comunidade monástica, onde pretendia se isolar.
Mas, sem que planejasse, foi nomeado sacerdote da igreja de Hipona (hoje Annaba, Argélia),
início da carreira religiosa que durou até sua morte, na mesma cidade, em
430. Suas obras principais são Confissões, Cidade de Deus e Da Trindade. "Não se deve esperar da
criança inteligência nem aspirar a ela. O mais importante é a consciência, a
disciplina" Para pensar
A filosofia de Santo
Agostinho está condicionada à fé religiosa e, especificamente, à ética
cristã.
A educação moderna, no
entanto, é laica, mesmo nas escolas administradas por organizações
religiosas, porque a cultura ocidental evoluiu para a separação clara entre
razão e fé. Mesmo assim, o pensamento agostiniano permite um diálogo
interessante com concepções pedagógicas contemporâneas. Você já deve ter
ouvido críticas às concepções de ensino segundo as quais o professor apenas
transmite conhecimentos para um aluno passivo. Que
semelhanças e diferenças percebe entre as correntes atuais que fazem
essas críticas e o princípio agostiniano de que o mestre indica o caminho,
mas só o aluno constrói (ou não) a informação? "Não se aprende pelas
palavras, que repercutem exteriormente, mas pela verdade, que ensina
interiormente" Santo Agostinho
A Vida e as Obras
Aurélio Agostinho destaca-se entre os Padres como Tomás de Aquino se
destaca entre os Escolásticos.
E como Tomás de Aquino se inspira na filosofia de Aristóteles, e
será o maior vulto da filosofia metafísica cristã, Agostinho inspira-se em Platão, ou melhor,
no neoplatonismo. Agostinho, pela profundidade do seu sentir e pelo seu gênio
compreensivo, fundiu em si mesmo o caráter especulativo da patrística grega
com o caráter prático da patrística latina, ainda que os problemas que
fundamentalmente o preocupam sejam sempre os problemas práticos e morais: o
mal, a liberdade, a graça, a predestinação.
Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta,
cidade da Numídia, de uma família burguesa, a 13 de novembro do ano 354. Seu
pai, Patrício, era pagão, recebido o batismo pouco antes de morrer; sua mãe,
Mônica, pelo contrário, era uma cristã fervorosa, e exercia sobre o filho uma
notável influência religiosa. Indo para Cartago, a fim de aperfeiçoar seus
estudos, começados na pátria, desviou-se moralmente. Caiu em uma profunda
sensualidade, que, segundo ele, é uma das maiores conseqüências do pecado
original; dominou-o longamente, moral e intelectualmente, fazendo com que
aderisse ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial tanto ao bem como
ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu a solução do problema do mal
e, por conseqüência, uma justificação da sua vida. Tendo terminado os
estudos, abriu uma escola em Cartago, donde partiu para Roma e, em seguida,
para Milão. Afastou-se definitivamente do ensino em 386, aos trinta e dois
anos, por razões de saúde e, mais ainda, por razões de ordem espiritual.
Entrementes - depois de maduro exame crítico - abandonara o maniqueísmo,
abraçando a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus
e a negatividade do mal. Destarte chegara a uma concepção cristã da vida - no
começo do ano 386. Entretanto a conversão moral demorou ainda, por razões de
luxúria. Finalmente, como por uma fulguração do céu, sobreveio a conversão
moral e absoluta, no mês de setembro do ano 386. Agostinho renuncia
inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimônio; retira-se, durante alguns
meses, para a solidão e o recolhimento, em companhia da mãe, do filho e
dalguns discípulos, perto de Milão. Aí escreveu seus diálogos filosóficos, e,
na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio,
recebeu o batismo em Milão das mãos de Santo Ambrósio, cuja doutrina e
eloqüência muito contribuíram para a sua conversão. Tinha trinta e três anos
de idade.
Depois da conversão, Agostinho abandona Milão, e, falecida a mãe em
Óstia, volta para Tagasta. Aí vendeu todos os haveres e, distribuído o
dinheiro entre os pobres, funda um mosteiro numa das suas propriedades
alienadas. Ordenado padre em 391, e consagrado bispo em 395, governou a
igreja de Hipona até à morte, que se deu durante o assédio da cidade pelos
vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de idade.
Após a sua conversão, Agostinho dedicou-se inteiramente ao estudo da
Sagrada Escritura, da teologia revelada, e à redação de suas obras, entre as
quais têm lugar de destaque as filosóficas. As obras de Agostinho que
apresentam interesse filosófico são, sobretudo, os diálogos filosóficos:
Contra os acadêmicos, Da vida beata, Os solilóquios,
Sobre a imortalidade da alma, Sobre a quantidade da alma, Sobre o mestre,
Sobre a música . Interessam também à filosofia os escritos contra
os maniqueus: Sobre os costumes, Do livre
arbítrio, Sobre as duas almas, Da natureza do bem .
Dada, porém, a mentalidade agostiniana, em que a filosofia e a teologia
andam juntas, compreende-se que interessam à filosofia também as obras
teológicas e religiosas, especialmente: Da
Verdadeira Religião, As Confissões, A Cidade de Deus, Da Trindade, Da Mentira.
O Pensamento: A Gnosiologia
Agostinho considera a filosofia
praticamente, platonicamente, como solucionadora do problema da vida, ao qual
só o cristianismo pode dar uma solução integral. Todo o seu interesse central
está portanto, circunscrito aos problemas de Deus e da alma, visto serem os
mais importantes e os mais imediatos para a solução integral do problema da
vida.
O problema gnosiológico é
profundamente sentido por Agostinho, que o resolve, superando o ceticismo
acadêmico mediante o iluminismo platônico. Inicialmente, ele conquista uma
certeza: a certeza da própria existência espiritual; daí tira uma verdade
superior, imutável, condição e origem de toda verdade particular. Embora
desvalorizando, platonicamente, o conhecimento sensível em relação ao conhecimento
intelectual, admite Agostinho que os sentidos, como o intelecto, são fontes
de conhecimento. E como para a visão sensível além do olho e da coisa, é
necessária a luz física, do mesmo modo, para o conhecimento intelectual,
seria necessária uma luz espiritual. Esta vem de Deus, é a Verdade de Deus, o
Verbo de Deus, para o qual são transferidas as idéias platônicas.
No Verbo de Deus existem as verdades eternas, as idéias, as espécies, os princípios
formais das coisas, e são os modelos dos seres criados; e conhecemos as
verdades eternas e as idéias das coisas reais por meio da luz intelectual a
nós participada pelo Verbo de Deus. Como se vê, é a transformação do
inatismo, da reminiscência platônica, em sentido teísta e cristão. Permanece,
porém, a característica fundamental, que distingue a gnosiologia platônica da
aristotélica
e tomista, pois, segundo a gnosiologia platônica-agostiniana, não bastam,
para que se realize o conhecimento intelectual humano, as forças naturais do
espírito, mas é mister uma particular e direta iluminação de Deus.
A Metafísica
Em relação com esta gnosiologia, e dependente dela, a existência
de Deus é provada, fundamentalmente, a priori , enquanto no espírito humano
haveria uma presença particular de Deus. Ao lado desta prova
a priori , não nega Agostinho as provas
a posteriori
da existência de
Deus, em especial a que se afirma sobre a mudança e a imperfeição de todas as
coisas. Quanto à natureza de Deus, Agostinho possui uma noção exata,
ortodoxa, cristã: Deus é poder racional infinito, eterno, imutável, simples,
espírito, pessoa, consciência, o que era excluído pelo platonismo. Deus é
ainda ser, saber, amor. Quanto, enfim, às relações com o mundo, Deus é
concebido exatamente como livre criador. No pensamento clássico grego,
tínhamos um dualismo metafísico; no pensamento cristão - agostiniano - temos
ainda um dualismo, porém moral, pelo pecado dos espíritos livres, insurgidos
orgulhosamente contra Deus e, portanto, preferindo o mundo a Deus. No
cristianismo, o mal é, metafisicamente, negação, privação; moralmente, porém,
tem uma realidade na vontade má, aberrante de Deus. O problema que Agostinho
tratou, em especial, é o das relações entre Deus e o tempo. Deus não
é no tempo, o qual é uma
criatura de Deus: o tempo começa com a
criação. Antes da criação não há tempo, dependendo o tempo da existência de
coisas que vem-a-ser e são, portanto, criadas.
Também a psicologia
agostiniana harmonizou-se com o seu platonismo cristão. Por certo, o corpo
não é mau por natureza, porquanto a matéria não pode ser essencialmente má,
sendo criada por Deus, que fez boas todas as coisas. Mas a união do corpo com
a alma é, de certo modo, extrínseca, acidental: alma e corpo não formam
aquela unidade metafísica, substancial, como na concepção
aristotélico-tomista, em virtude da doutrina da forma e da matéria. A alma
nasce com o indivíduo humano e, absolutamente, é uma específica criatura
divina, como todas as demais. Entretanto, Agostinho fica indeciso entre o
criacionismo e o traducionismo, isto é, se a alma é criada diretamente por
Deus, ou provém da alma dos pais. Certo é que a alma é imortal, pela sua
simplicidade. Agostinho, pois, distingue, platonicamente, a alma em
vegetativa, sensitiva e intelectiva, mas afirma que elas são fundidas em uma
substância humana. A inteligência é divina em intelecto intuitivo e razão
discursiva; e é atribuída a primazia à vontade. No homem a vontade é amor, no
animal é instinto, nos seres inferiores cego apetite.
Quanto à cosmologia, pouco temos a dizer. Como já mais acima se
salientou, a natureza não entra nos interesses filosóficos de Agostinho,
preso pelos problemas éticos, religiosos, Deus e a alma. Mencionaremos a sua
famosa doutrina dos germes específicos dos seres - rationes seminales . Deus, a princípio,
criou alguns seres já completamente realizados; de outros criou as causas
que, mais tarde, desenvolvendo-se, deram origem às existências dos seres
específicos. Esta concepção nada tem que ver com o moderno evolucionismo , como alguns
erroneamente pensaram, porquanto Agostinho admite a imutabilidade das
espécies, negada pelo moderno evolucionismo.
A Moral
Evidentemente, a moral
agostiniana é teísta e cristã e, logo, transcendente e ascética. Nota
característica da sua moral é o voluntarismo, a saber, a primazia do prático,
da ação - própria do pensamento latino - , contrariamente ao primado do
teorético, do conhecimento - próprio do pensamento grego. A vontade não é
determinada pelo intelecto, mas precede-o. Não obstante, Agostinho tem também
atitudes teoréticas como, por exemplo, quando afirma que Deus, fim último das
criaturas, é possuído por um ato de inteligência. A virtude não é uma ordem
de razão, hábito conforme à razão, como dizia Aristóteles,
mas uma ordem do amor.
Entretanto a vontade é livre, e pode querer o mal, pois é um ser
limitado, podendo agir desordenadamente, imoralmente, contra a vontade de
Deus. E deve-se considerar não causa eficiente, mas deficiente da sua ação
viciosa, porquanto o mal não tem realidade metafísica. O pecado, pois, tem em
si mesmo imanente a pena da sua desordem, porquanto a criatura, não podendo
lesar a Deus, prejudica a si mesma, determinando a dilaceração da sua
natureza. A fórmula agostiniana em torno da liberdade em Adão - antes do
pecado original - é: poder não pecar
; depois do pecado original é: não poder
não pecar ; nos bem-aventurados será:
não poder pecar . A vontade humana, portanto, já é
impotente sem a graça. O problema da
graça
- que tanto preocupa Agostinho - tem, além de um interesse teológico, também
um interesse filosófico, porquanto se trata de conciliar a causalidade absoluta
de Deus com o livre arbítrio do homem. Como é sabido, Agostinho, para salvar
o primeiro elemento, tende a descurar o segundo.
Quanto à família ,
Agostinho, como Paulo apóstolo, considera o celibato superior ao matrimônio;
se o mundo terminasse por causa do celibato, ele alegrar-se-ia, como da
passagem do tempo para a eternidade. Quanto à política , ele tem uma concepção negativa da função
estatal; se não houvesse pecado e os homens fossem todos justos, o Estado
seria inútil. Consoante Agostinho, a propriedade seria de direito positivo, e
não natural. Nem a escravidão é de direito natural, mas conseqüência do
pecado original, que perturbou a natureza humana, individual e social. Ela
não pode ser superada naturalmente, racionalmente, porquanto a natureza
humana já é corrompida; pode ser superada sobrenaturalmente, asceticamente,
mediante a conformação cristã de quem é escravo e a caridade de quem é amo.
O Mal
Agostinho foi profundamente impressionado pelo problema do mal - de que dá uma vasta e viva fenomenologia.
Foi também longamente desviado pela solução dualista dos maniqueus, que lhe
impediu o conhecimento do justo conceito de Deus e da possibilidade da vida
moral. A solução deste problema por ele achada foi a sua libertação e a sua
grande descoberta filosófico-teológica, e marca uma diferença fundamental
entre o pensamento grego e o pensamento cristão.
Antes de tudo, nega a realidade metafísica do mal. O mal não é ser, mas
privação de ser, como a obscuridade é ausência de luz. Tal privação é
imprescindível em todo ser que não seja Deus, enquanto criado, limitado.
Destarte é explicado o assim chamado mal
metafísico , que não é verdadeiro mal, porquanto não tira aos
seres o lhes é devido por natureza. Quanto ao
mal físico , que atinge também a perfeição natural dos
seres, Agostinho procura justificá-lo mediante um velho argumento, digamos
assim, estético: o contraste dos seres contribuiria para a harmonia do
conjunto. Mas é esta a parte menos afortunada da doutrina agostiniana do mal.
Quanto ao mal moral,
finalmente existe realmente a má vontade que livremente faz o mal; ela,
porém, não é causa eficiente, mas deficiente, sendo o mal não-ser. Este
não-ser pode unicamente provir do homem, livre e limitado, e não de Deus, que
é puro ser e produz unicamente o ser. O mal moral entrou no mundo humano pelo
pecado original e atual; por isso, a humanidade foi punida com o sofrimento,
físico e moral, além de o ter sido com a perda dos dons gratuitos de Deus.
Como se vê, o mal físico tem, deste modo, uma outra explicação mais profunda.
Remediou este mal moral a redenção de Cristo, Homem-Deus, que restituiu à
humanidade os dons sobrenaturais e a possibilidade do bem moral; mas deixou
permanecer o sofrimento, conseqüência do pecado, como meio de purificação e
expiação. E a explicação última de tudo isso - do mal moral e de suas
conseqüências - estaria no fato de que é mais glorioso para Deus tirar o bem
do mal, do que não permitir o mal. Resumindo a doutrina agostiniana a
respeito do mal, diremos: o mal é, fundamentalmente, privação de bem (de
ser); este bem pode ser não devido (mal metafísico) ou devido (mal físico e
moral) a uma determinada natureza; se o bem é devido nasce o verdadeiro
problema do mal; a solução deste problema é estética para o mal físico, moral
(pecado original e Redenção) para o mal moral (e físico).
A História
Como é notório, Agostinho trata do problema da história na Cidade de Deus , e resolve-o ainda com
os conceitos de criação, de pecado original e de Redenção. A Cidade de Deus representa, talvez, o
maior monumento da antigüidade cristã e, certamente, a obra prima de
Agostinho. Nesta obra é contida a metafísica original do cristianismo, que é
uma visão orgânica e inteligível da história humana. O conceito de criação é
indispensável para o conceito de providência, que é o governo divino do
mundo; este conceito de providência é, por sua vez, necessário, a fim de que
a história seja suscetível de racionalidade. O conceito de providência era
impossível no pensamento clássico, por causa do basilar dualismo metafísico.
Entretanto, para entender realmente, plenamente, o plano da história, é
mister a Redenção, graças aos quais é explicado o enigma da existência do mal
no mundo e a sua função. Cristo tornara-se o centro sobrenatural da história:
o seu reino, a cidade de Deus
, é representada pelo povo de Israel antes da sua vinda sobre a terra, e pela
Igreja depois de seu advento. Contra este cidade se ergue a
cidade terrena , mundana, satânica, que
será absolutamente separada e eternamente punida nos fins dos tempos.
Agostinho distingue em três grandes seções a história antes de Cristo. A
primeira concerne à história das duas
cidades , após o pecado original, até que ficaram confundidas em
um único caos humano, e chega até a Abraão, época em que começou a separação.
Na Segunda descreve Agostinho a história da cidade de Deus , recolhida e configurada em Israel, de
Abraão até Cristo. A terceira retoma, em separado, a narrativa do ponto em
que começa a história da Cidade de Deus separada, isto é, desde Abraão, para
tratar paralela e separadamente da Cidade do mundo, que culmina no império
romano. Esta história, pois, fragmentária e dividida, onde parece que Satanás
e o mal têm o seu reino, representa, no fundo, uma unidade e um progresso. É
o progresso para Cristo, sempre mais claramente, conscientemente e
divinamente esperado e profetizado em Israel; e profetizado também, a seu
modo, pelos povos pagãos, que, consciente ou inconscientemente, lhe preparavam
diretamente o caminho. Depois de Cristo cessa a divisão política entre as
duas cidades ; elas se confundem como
nos primeiros tempos da humanidade, com a diferença, porém, de que já não é
mais união caótica, mas configurada na unidade da Igreja. Esta não é limitada
por nenhuma divisão política, mas supera todas as sociedades políticas na
universal unidade dos homens e na unidade dos homens com Deus. A Igreja,
pois, é acessível, invisivelmente, também às almas de boa vontade que,
exteriormente, dela não podem participar. A Igreja transcende, ainda, os
confins do mundo terreno, além do qual está a pátria verdadeira. Entretanto,
visto que todos, predestinados e ímpios, se encontram empiricamente
confundidos na Igreja - ainda que só na unidade dialética das
duas cidades , para o triunfo da Cidade
de Deus - a divisão definitiva, eterna, absoluta, justíssima, realizar-se-á
nos fins dos tempos, depois da morte, depois do juízo universal, no paraíso e
no inferno. É uma grande visão unitária da história, não é uma visão
filosófica, mas teológica: é uma
teologia,
não uma filosofia da
história.
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A
Psicanálise Escuta a Educação, Eliane Marta
Teixeira Lopes, 244 págs., Ed. Autêntica, tel. (31) 3423-3022.
Os
Jesuítas e a Educação, Egidio Schmitz, 254 págs., Ed. Unisinos,
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Santo
Agostinho, coleção Os Pensadores, 426 págs.,
Ed. Nova Cultural, tel. (11) 3039-0933.
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Agostinho, Marcos Roberto Nunes Costa, 216
págs., Ed. Edipucrs, tel. (51) 320-3523. |