Grandes pensadores AUGUSTE
COMTE Pai do positivismo, ele acreditava que era possível planejar o
desenvolvimento da sociedade e do indivíduo com critérios das ciências exatas
e biológicas. O
nome do pensador francês Auguste Comte (1798-1857) está indissociavelmente
ligado ao positivismo, corrente filosófica que ele fundou com o objetivo de
reorganizar o conhecimento humano e que teve grande influência no Brasil.
Comte também é considerado o grande sistematizador da sociologia. O
filósofo viveu num período da história francesa em que se alternavam regimes
despóticos e revoluções. A turbulência levou não só a um descontentamento geral
com a política como a uma crise dos valores tradicionais. Comte procurou dar
uma resposta a esse estado de ânimo pela combinação de elementos da obra de
pensadores anteriores a ele e também de alguns contemporâneos, resultando num
corpo teórico a que chamou de positivismo. "Ele reviu as ciências para
definir o que, nelas, decorria da realidade dos fatos e permitia a formulação
de leis naturais, que orientariam os homens a agir para modificar a
natureza", diz Arthur Virmond de Lacerda,
professor da Faculdade Internacional de Curitiba. Um
dos fundamentos do positivismo é a idéia de que tudo o que se refere ao saber
humano pode ser sistematizado segundo os princípios adotados como critério de
verdade para as ciências exatas e biológicas. Isso se aplicaria também aos
fenômenos sociais, que deveriam ser reduzidos a leis gerais como as da
física. Para Comte, a análise científica aplicada à sociedade é o cerne da
sociologia, cujo objetivo seria o planejamento da organização social e
política. Disciplina, hierarquia
e ciência na escola Como Comte tinha a ordem
na conta de valor supremo, para ele era fundamental que os membros de uma
sociedade aprendessem desde pequenos a importância da obediência e da
hierarquia. A imposição da disciplina era, para os positivistas, uma função
primordial da escola. Segundo Comte, a
evolução do indivíduo segue um trajeto semelhante à evolução das sociedades.
Assim, na infância passa-se por uma espécie de estágio teológico, quando a
criança tende a atribuir a forças sobrenaturais o que acontece a seu redor. A
maturidade do espírito seria encontrada na ciência. Por isso, na escola de
inspiração positivista, os estudos científicos prevalecem sobre os
literários. O filósofo acreditava ainda que todos os seres humanos guardam em
si instintos tanto egoístas quanto altruístas. A educação deveria assumir a
responsabilidade de desenvolver nos jovens o altruísmo em detrimento do
egoísmo, mostrando a eles que o objetivo existencial mais nobre é dedicar a
vida às outras pessoas. "A educação positivista visa a informar o aluno
sobre a ordem - isto é, como o mundo funciona - e formar seu caráter,
tornando-o mais bondoso", diz Virmond de
Lacerda. O pensamento de Comte tinha forte aspecto empirista, por levar em
conta apenas os fenômentos observáveis e considerar
anticientíficos os estudos dos processos mentais do observador. Na educação, isso
acarreta ênfase na aferição da eficiência dos métodos de ensino e do
desempenho do aluno. No século 20, a psicologia comportamental aperfeiçoaria
ao máximo esses procedimentos, com experimentos e testes aplicados em grande
escala. Planejamento social traria o bem-estar O
funcionamento da sociedade, para Comte, obedeceria a diretrizes
predeterminadas para promover o bem-estar do maior número possível de indivíduos.
Além de uma reformulação geral das ciências e da organização sociopolítica, o
filósofo planejou uma nova ordem espiritual, inspirada na hierarquia e na
disciplina da Igreja Católica, que considerava muito eficientes. A nova
doutrina, porém, se dissociava totalmente da teologia cristã, que Comte
rejeitava por se basear no sobrenatural, e não no materialismo científico. No
fim da vida, ele chegou a preconizar a construção de templos positivistas,
onde a humanidade, e não a divindade, seria
venerada. O filósofo via a humanidade como uma entidade una, que chamou de
Grande Ser. Comte
formulou uma lei histórica de três estágios. Segundo essa lei, o pensamento
humano partiu de um estágio teológico, quando recorria às idéias de deuses e
espíritos para explicar os fenômenos naturais, e passou para um estágio
metafísico, caracterizado por fundamentar o conhecimento em abstrações - como
essências, causas finais ou concepções idealizadas da natureza. De acordo com
Comte, a humanidade só alcançaria plenitude intelectual ao chegar ao estágio
positivo, que pressupõe a admissão das limitações do entendimento humano.
Para ele, a razão não é capaz de operar a não ser pela via da experiência
concreta. Todo esforço da ciência e da filosofia deveria se restringir,
portanto, a encontrar as leis que regem os fenômenos observáveis. Antes
de Comte, a sociologia já havia dado os primeiros passos, mas foi ele quem a
organizou como ciência. O pensador a dividiu em duas áreas: estática social e
dinâmica social. A primeira estuda as forças que mantêm a sociedade unida,
enquanto a segunda se volta para as mudanças sociais e suas causas. A
estática social se fundamenta na ordem e a dinâmica no progresso - daí o lema
"ordem e progresso", que figura na bandeira brasileira por inspiração
comtiana (leia quadro acima). Conhecidos a estrutura e os processos de
transformação da sociedade, seria possível, para o pensador, reformar as
instituições e aperfeiçoá-las. "As leis sociológicas permitem planejar o
futuro porque indicam critérios de atuação política", diz Virmond de Lacerda. Cientistas deveriam formar elite dirigente A
concepção planejada das reformas sociais que o filósofo julgava necessárias
não era compatível com a democracia, imprevisível por natureza, e por isso
Comte a rejeitou. Ele acreditava que a ciência positiva seria o fundamento da
fraternidade entre os homens, mas a responsabilidade por conduzir o
aperfeiçoamento das instituições estaria restrita a uma elite de cientistas. O
filósofo via todas as sociedades constituídas por núcleos permanentes, como a
família e a propriedade, que devem promover o progresso. O positivismo
compara a sociedade a um organismo biológico, no qual nenhuma parte tem
existência independente. Num estágio positivo, próximo da perfeição, não
haveria lugar para o individualismo, apenas para o desenvolvimento da
solidariedade e do altruísmo (termo cunhado por Comte) de cada um em favor da
coletividade. O
pensamento de Comte foi alvo de desconfiança e até de escárnio - em especial
a criação da religião da humanidade. Mas o positivismo teve grande influência
em seu tempo e peso decisivo no surgimento de correntes de pensamento
futuras, como o evolucionismo.
Proclamação da
República teve influência positivista
O projeto sociopolítico
de Comte pressupunha uma evolução ordeira da sociedade, incompatível com
revoluções e mudanças bruscas. Curiosamente, no Brasil os ideais positivistas
serviram para alavancar uma troca de regime, com a proclamação da República.
O aparente paradoxo se explica, em parte, pelo fato de a influência
positivista ter resultado em pensamentos muito diversos no Brasil, conforme
se combinou com outras correntes ideológicas. Nenhum setor teve maior
presença da ideologia comtiana do que as Forças Armadas, de onde saiu o
vitorioso movimento republicano e a idéia de adotar o lema "ordem e
progresso". Várias das medidas governamentais dos primeiros anos da
República tiveram inspiração positivista, como a reforma educativa de 1891 e,
no mesmo ano, a separação oficial entre Igreja e Estado. O positivismo ficou
de tal forma conhecido no Brasil que o prenome de Comte foi aportuguesado
para Augusto e a corrente filosófica tornou-se tema de um samba de Noel Rosa
e Orestes Barbosa. A canção, intitulada Positivismo e lançada em 1933,
termina com os versos: "O amor vem por princípio, a
ordem por base/O progresso é que deve vir por fim/Desprezaste esta lei de
Augusto Comte/E foste ser feliz longe de mim". Quer
saber mais? AUGUSTO COMTE - CRIADOR DA FÍSICA SOCIAL, Lelita
Oliveira Benoit, 144 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-172002, 21,50 reais AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO, João Ribeiro Jr., 330
págs., Ed. Edicamp, tel. (19) 3235-2500, 46 reais DISCURSO SOBRE O ESPÍRITO POSITIVO, Auguste Comte, 132
págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 26,50 reais Biografia Auguste Comte nasceu em 1798 em
Montpellier, na França. Seus pais eram católicos e monarquistas fervorosos.
Comte, que rejeitou as convicções dos pais ainda bem jovem,
foi aluno brilhante, dos estudos básicos aos superiores, na Escola Politécnica
de Paris. Nesse período, seu melhor amigo foi Henri de Saint-Simon
(1760-1825), expoente do socialismo utópico, com quem viria a romper mais
tarde por questões ideológicas. Comte trabalhava intensamente na criação de
uma "filosofia positiva" quando sofreu um colapso nervoso, em 1826.
Recuperado, mergulhou na redação do Curso de Filosofia Positiva, que lhe
tomou 12 anos. Em 1842, por divergências com os superiores, perdeu o emprego
de pesquisador na Politécnica e começou a ser ajudado por admiradores, como o
pensador escocês John Stuart Mill (1773-1826). No mesmo ano, Comte se separou
de Caroline Massin, após 17 anos de casamento. Em
1845, apaixonou-se por Clotilde de Vaux, que
morreria de tuberculose no ano seguinte. Clotilde seria idealizada por Comte como
a expressão perfeita da humanidade. O filósofo, que dedicou os anos seguintes
a escrever Sistema de Política Positiva, morreu de câncer em 1857, em Paris. Clotilde
de Vaux: musa de Comte tornou-se símbolo da
humanidade "Toda
educação humana deve preparar cada um a viver para os outros" Para pensar O modelo de escola rígida e
autoritária que os positivistas defendiam está ultrapassado, mas vale a pena
refletir sobre as idéias de Comte. Ele acreditava que a solidariedade era um
impulso natural no ser humano e que a escola é um dos órgãos sociais
responsáveis por promovê-la. Numa época individualista como a atual, você já
pensou em conversar com seus alunos sobre a importância de sempre ter em
mente que todos fazemos parte de uma sociedade? |