A PROVA OPERATÓRIA

TERZI, Cleide; RONCA, Paulo. A prova operatória.

 

ENTRE DÚVIDAS E INCERTEZAS

A observação da nossa realidade mostra-nos que grande parte dos professores sente grandes dificuldades em avaliar.

O processo de avaliação é angustiante, acompanhado de dúvidas, incertezas e até incoerências.

Com este estudo encontraremos algumas sugestões para possível revisão da prática pedagógica, no que se refere a elaboração e aplicação de provas.

Veremos a análise da prova como um dos úteis e possíveis instrumentos de avaliação. A prova pode ser um dos instrumentos capaz de oferecer subsídios ao professor, para que ele possa entender como está se processando a organização do conhecimento e o desenvolvimento do pensamento no aluno.

A VEDETE ACADÊMICA

O conservador cotidiano da escola ainda é o mesmo que há anos. A prova ainda é insistentemente vista como cobrança, ela passa a ser a ocasião em que o professor, vai verificar o que o aluno aprendeu.

A prova é o centro da vida na comunidade escolar, espécie de vedete acadêmica, ao redor da qual gira um arsenal de preparativos, pessoas, coisas. Ë um momento repleto de expectativas que modifica o cotidiano da escola, impondo-lhe um ritmo diferente e alterando até o espaço físico da sala de aula.

Elaboradas sob o obsessivo estilo de perguntas e respostas, elas assemelham-se a longos e aborrecedores questionários, exigindo sempre respostas que evidenciem a simplista ação da memorização de fatos, ideias, datas...

Estudar, para muitos alunos, significa responder e decorar respostas destes questionários.

A prova passa a ser, então, o centro da vida do estudante, ele só estuda quando tem prova, na véspera decorando toda a matéria.

A prova é, sem dúvida, o único recurso que a escola tem para estimular o aluno estudar.

Por isso pode-se dizer até então que os professores não saberiam trabalhar sem aplicar provas, e os alunos, sem as fazerem.

Como a prova, a nota passa também a ser meta obsessiva de professores e alunos.

Este processo de valorização de notas é tão verdadeiro que também vale para alunos com dificuldades de aprendizagem. Em muitos casos, vê se alunos reprovados só porque não atingiram as notas prescritas pelo regimento interno, embora, professores e orientadores testemunhem esforços e empenhos reais.

Em muitos regimentos internos de escolas as provas e as notas são consideradas severa obrigatoriedade. Assim sendo, há que se efetuar uma avaliação por escrito para ser guardada, muito mais como documento oficial, do que elemento de registro, observação e estudo cumulativo do crescimento do aluno durante a vida acadêmica. É preciso repensar no assunto e buscar possíveis superações.

UM POUCO DE HISTÓRIA

A ideia de prova como único e denso elemento verificador de aprendizagem tomou força e forma quando, entre outras razões, a Escola e a Educação brasileiras se viram voltadas para ideias e ideais Positivistas, aqui chegados no início do século. A adoção de ideias positivistas por parte da escola veio atender a interesses da classe social à qual esta instituição servia. O positivismo admite unicamente o critério da verdade cientificamente provada, da experiência, dos fatos positivos, visíveis, sensíveis. Enredado neste processo, surge a necessidade de provas objetivas, clara, mensurável ou quantificável. Anulou o pensar subjetivo e o sentir. Esqueceu-se da sensação e da emoção.

O professor evitou sistematicamente colocar em discussão questões que fugissem da proposta da sua Ciência.

As aulas tornaram-se muito pobres e a vida profissional do professor extensamente repetitiva.

As aulas tornaram-se curtas, o suficiente para o professor dar a matéria. Não há tempo para argumentação, para elaboração do pensamento e sua consequente expressividade, despreza-se o pensamento hipotético ou estimativo.

Aulas onde não se pensa, onde não se argumenta, provocam, sem dúvida, provas onde não se argumenta, não se pensa.

A prova é um reflexo da aula. Torna-se urgente, pelo que estamos percebendo, que a escola possa fazer uma profunda reflexão sobre o seu cotidiano. Urgente também a reflexão de professores e alunos sobre a sua relação com o cotidiano científico. Terão que decidir se é a escola um lugar de transmissão de conteúdos prontos, acabados, ou um lugar onde se constrói e se sistematiza o conhecimento. É preciso modificar profundamente a maneira de dar aulas e, por, conseguinte, de aplicar provas.

PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO

A proposta de modificação da prova depende da maneira como o professor encara sua relação com os alunos, com o conteúdo de sua Ciência, com o conhecimento e, finalmente com a aprendizagem. Tal questão é ampla e difícil, pois não se trata de tentarmos modificações do tipo “uma prova por outra”. O desafio é como formar pessoas que pensem, que participem, que argumentem?

Nesta linha de pensamento a prova passa a ser como um momento de reorganização dos conhecimentos. É momento de verificar se o aluno de posse dos conhecimentos básicos e a partir deles, sabe pensar, argumentar, contrapor. Operar enfim tais conteúdos, a partir da leitura, compreensão e interpretação das questões.

A MOLDURA DA PROPOSTA

Os estudos de Jean Piaget revolucionaram a Ciência, abrindo grandes possibilidades para uma nova compreensão do Homem e de seu desenvolvimento.

No dizer de Thomas S Kuhn, Jean Piaget “iluminou os vários mundos da criança e o processo de transição de um para outro”. (1)

Ele conseguiu isto, ao criar a teoria Desenvolvimentista, em que vê o Homem como um ser em desenvolvimento..

A inteligência ,nos primeiros anos de vida do bebê, é vista e entendida como AÇÃO.

O percurso obrigatório da inteligência porém, não para aí. Inicia-se pelos seis ou sete anos, o que Piaget chamará de a grande revolução copérnica”.

Da ação simples, a criança, agora mais depressa, caminha para a operação. A operação é apenas uma ação mais elaborada, digamos mais complicada.

A criança, nesta idade, fica absolutamente presa, como que “amarrada” ao concreto. É impossível fazê-la adotar uma hipótese ou um raciocínio mais dedutivo ou formal.

O pensamento formal pressupõe dois fatores:

1- o social, quando existe a possibilidade da criança ir colocando-se no ponto de vista do outro, ir saindo então do seu próprio mundo e vendo-o não mais sob o ângulo somente do imediato;

2- oriundo da psicologia da crença, quando existe a possibilidade de subtender-se sob a realidade empírica, sob um mundo puramente possível onde, pela lógica, se instalará a dedução.(2)

As operações abstratas que supõem e compõem a trajetória do desenvolvimento, surgem aproximadamente aos onze anos, e são consideradas como ápice do desenvolvimento intelectual.

Buscando a autonomia, entusiasmado, percebe que pode recorrer de forma diferente ao pensamento. Não é possível fazer uma lista de quantas sejam estas operações abstratas, estes raciocínios abstratos que, como dizíamos, passam a fazer parte do pensamento do adolescente.

Analisar, classificar, comparar, conceituar, criticar, deduzir, generalizar, levantar hipóteses, imaginar, julgar, localizar no espaço, localizar no tempo, observar, provar reunir, resumir seriar, solucionar problemas, transferir. Estas são algumas das operações abstratas.

Ao tornar público estes e outros estudos sobre o nascimento da inteligência e o desenvolvimento mental, Jean Piaget revoluciona por completo o campo científico da psicologia.

Ele passa a ver a criança não mais como um adulto em miniatura e sim como um ser com seu próprio caminho para determinar a realidade e ver o mundo.

A inteligência, portanto, não aparece num determinado momento do desenvolvimento mental, mas trata-se de um processo contínuo, cumulativo e concomitante a todos os outros, ora como causa, ora como consequência destes. Por isso o desenvolvimento da criança e do adolescente precisa de muitos cuidados e atenções especiais. A Escola tem a obrigação de ampliar seu campo de ação educacional, ajudando o aluno a desenvolver-se mais globalmente.

Isto significa ensiná-lo a estudar, a pensar, a operar.

No Brasil, estuda-se mal, pouco e errado.

Vista de maneira diferente, a prova deve mudar e revolucionar o ato de estudar. Estudar é, pois, OPERAR.

Fazer internamente, de maneira organizada e sistemática, aquelas operações descritas anteriormente. Chamaremos, então tal prova de “operatória”, quando, longe de ser mecânicos questionários, testes ou exercícios, for um momento a mais para o aluno viver internamente a construção ou reconstrução de conceitos ao longo do caminho da aprendizagem. Ou seja um momento de aprendizagem.

Em vez de fim do processo, ela estará dinamicamente inserida no contexto do estudo daquele conteúdo e daquela Ciência. Ou seja, um momento de estudo.

AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES

A Prova Operatória e a Relação Coloquial

O tratamento coloquial evidenciado nas provas, pode descontrair e ajudar a diminuir e tensão, que histórica e culturalmente, foi impostas nestes momentos de avaliação. O tratamento coloquial mobiliza o aluno. Chama-lhe a atenção. Estimula a ação da percepção, convocando-a a participar ativamente do evento. Ao ler as questões, ao interiorizá-las, o aluno vai se percebendo como pessoa e pode sentir uma sensação plástica e contínua de que a prova operatória é uma “conversa”, permeada pelo respeito e a consideração. Deve haver, portanto, constante e acentuada preocupação em explicar cuidadosamente, cada questão, o que provoca no aluno um sentimento de confiança. Por fim, o coloquial envolve a estrutura cognitiva do aluno, oferecendo oportunidade de organizá-la. Tal prova não quer medir o que o aluno sabe. Quer estabelecer uma relação de confiança, colocar clara básica de oferecer condições para que o aluno possa mostrar o que sabe e, principalmente, como pensa.

A Prova Operatória e a Relação Aluno Mundo

Nas inúmeras questões o mundo deve ser apresentado ao aluno através de um leque aberto de assuntos e fatos atuais, do dia a dia, do nosso mundo. Fica a idéia de que a escola quer ser e se tornar um organismo vivo, pulsando decididamente na sociedade. Da crítica ao desmatamento na Mata Atlântica, à política da Apartheid na África, o discurso implícito e emergente nesta prova vem descortinar ao jovem o universo. Só poderão se sair bem neste tipo de prova aqueles inseridos dinamicamente no mundo, na vida. Os que lêem, se informam, opinam, discutem, argumentam – os que têm projetos. Em resumo, compreender o mundo, criticando-o a partir de uma visão econômico-político-social é condição básica e pano de fundo para um desempenho satisfatório.

A Prova Operatória e a Relação com o Ler

Esta prova, tem a intenção de orientar o aluno passo a passo, deixando sempre muito claros os objetivos das questões. Parte delas pode ser apresentada a partir de um texto a ser cuidadosamente lido. Tal contextualização impressa nas questões, impõe ao aluno que deixe de lado a simples ação da memorização, para poder colocá-la ( tal ação) a serviço e em função do que foi lido.

Nesta prova ler se torna exercício obrigatório. A prova operatória pode ser composta de perguntas e de problemas. A pergunta é bem mais simples, menor, menos complexa. Pede respostas imediatas, únicas, baseadas, muitas vezes, no exercício da memória.

O problema, geralmente escrito em forma interrogativa, é mais complexo, às vezes maior, de amplo alcance, exigindo respostas mais elaboradas, com maior composição e combinações. Vê-se que, de textos de diferentes autores e de problemas emoldurados pela existência, a prova operatória é escrita em linguagem extensamente clara. Nesta prova, ler torna-se um exercício atraente.

A Prova Operatória e a Relação com o Escrever Queixam-se diretores de escola e pais de alunos. Queixam-se professores. Enfim queixam-se todos: “os alunos de hoje não sabem escrever. Que pena!” A primeira sugestão é quanto à modificação na apresentação da prova. Devemos nos conscientizar de que a prova operatória exige espaço, amplo e extenso, onde o aluno possa ver concretamente a possibilidade de escrever e a sua percepção possa não ser barrada ou represada. Tal prova, depois de incitar à leitura, vem exigir, vem incentivar mais uma disposição íntima: a expressividade escrita. Nesta prova, o escrever torna-se um exercício atraente. Todas as questões, problemas ou perguntas devem levar o aluno a escrever. Assim pensada a prova  operatória pode ter sempre três partes:

• 1ª Mais ampla e aberta, um tema dado exigirá a expressividade escrita em forma de redação. O tema é encaminhado de maneira abrangente.

• 2ª É constituída da proposição de perguntas mais simples e pequenas. A ação da memorização está contextualizada e não se dá aleatoriamente, como que no vácuo.

• 3ª É constituída de “problemas”. Assim proposta, a prova quer ser um momento profundo de reflexão e estudo e se compromete com o desenvolvimento global do pensamento.

CONCLUSÃO

A prova é sempre um reflexo da aula e vice-versa. Muitos professores pensam que sua função na Escola é só preparar os alunos visando o vestibular, ensinando a matéria que nele vai ser pedida. b Estes professores sentir-se-ão realizados, quando observarem que seus alunos memorizam a matéria dada. A proposta que podemos deduzir da teoria de Jean Piaget pretende conduzir o aluno ao centro do processo, dando-lhe as rédeas da aprendizagem. Para a teoria desenvolvimentista, o Conhecimento aparece sempre como uma aquisição interna, processada a partir de sucessivas e organizadas operações realizadas pelo indivíduo. A função social e profissional do professor está muito mais para ensinar a operar do que para simples transmissor de conhecimentos.

O que está em jogo não é possibilidade do aluno vir esquecer o conteúdo aprendido, mas a real possibilidade do aluno vir a reconstruir ou restituir o que aprendeu. O ponto de partida e o de chegada não é o conteúdo a ser aprendido ou memorizado. O que interessa é o que está se processando na cabeça do  indivíduo e as relações que ele faz com o social.

Além das operações, a aprendizagem se dá quando as ações da atenção, da concentração, da percepção e da memorização realmente se efetivam. A memorização é então uma ação (internalizada) que pode até prescindir da compreensão.

Concluímos ser extensa a diferença entre uma aula somente expositiva, onde se privilegia a ação da memorização e a aula operatória, que privilegia a compreensão de significados e mecanismos operatórios que levam ao conhecimento.

Uma aula operatória pode converter-se em “aula expositiva-operatória”. O compromisso é com a compreensão da Ciência, e com o desenvolvimento do Pensamento. Aula operatória é aquela em que, em primeiríssimo lugar, o professor se vê participando como líder de um forte relacionamento interpessoal com os alunos. Mais do que participando, tendo intenso controle dessa troca afetiva.

É, pois, uma aula marcada por densos movimentos afetivos. E afeto não é somente o que se sente por alguém. Mas é o que se faz por alguém. Piaget coloca-nos claramente o afeto como motor da ação. Aula operatória é aquela na qual o professor não se sente e nem se vê apenas reproduzindo um conteúdo. É um momento de criação do Conhecimento.

Operatória é a aula problematizada e problematizadora, que faz surgir uma dose de angústia, de inquietação, de inconformismo perante a Ciência.

É a aula onde o professor constrói o conhecimento junto com os alunos. Estará desenrolando um tapete por onde passará junto com seus alunos. Tal tapete chama-se liberdade, autonomia, independência.

 

TERZI, Cleide; RONCA, Paulo. A prova operatória.